Seja bem-vindo. Hoje é

AS LEIS DA FÍSICA ME ESTUDAM


O tempo passa sem escândalo
ou calúnias.
Desaconteço com tranquilidade
diariamente
diariamente
minha mente é uma pluma voando,
indo para um resto de sol,
indo para o murmúrio da lua.

Dentro da minha boca,
há todas as palavras
que alguém não me disse,
que alguém esqueceu de dizer.
Parece que uma primavera
silenciosa dorme em mim.

Um milhão de sementes
estão aqui, prontas para
desabrochar:
posso ver minhas pétalas.
Posso ver a cortina aberta,
a cadeira esperando por quem
há de chegar.

Sento nela:
minha pele tão macia descansa
as expectativas e as possíveis rugas.
Uma canção está pendurada nas fotos
da estante e pisca para mim
com o seu ar retrô.

Por que será que tudo sempre
fica tão mais distante
quando eu lembro quem sou?

Amanhã,
prometi para mim mesma
que vou ser diferente.
Enquanto isso não acontece,
as leis da Física me estudam:
estou em estado de inércia total.



Karla Bardanza








Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

SE TODA SAUDADE COUBESSE NO AMOR

 Beije-me com essa tranquilidade
dos anjos que já se foram, com essa calma
necessária que desconheço
há tanto,
que desconheço
por não saber como entendê-la
ou mesmo como achá-la
dentro ou fora
do real.



Algumas coisas são tão difíceis 
para mim:
sinto-as quase perdendo a voz.
Calam-me.
Cegam-me.
Estão onde não deveriam estar
porque já não existem
agora.



E
se puderes,
e
se quiseres,
leve-me em tuas asas,
aconchegue-me nas palavras
do
passado,
na delicadeza do que foi
porque foi
e ainda é quando
sei que sempre será
por ser, por sempre
ter sido.


Se toda a saudade
coubesse no amor,
no corpo que conta as horas,
na alma que dorme e sonha tão pouco,
ainda assim não caberia
tudo que ficou para trás,
tudo que é,
apenas
por não ser,
nem poder ser
mais.






Karla Bardanza


Pintura de David Johnson

Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

VÃ FILOSOFIA E DELÍRIO


Não sou nobre, sou vira-lata e durmo com eles com fidalguia. Deito no frio sem medo, sem sonhos, sem dono. O abandono dói menos do que os sonhos que são apenas para aqueles que não se cansam de sonhar. Quando nada se espera, não há nada para esperar.Olho para as estrelas sem procurar o norte ou sul: meu lugar é onde o meu corpo pode estar.

Não pertenço a este mundo, não conheço este mundo. Afundo nas minhas contradições e vivo o que tenho que viver com os olhos voltados para o que não sei. Quando me enxotam, saio sem lamentar. Quando me chutam, sei o meu lugar.

O que me incomoda não é o que sinto.É o que não sinto porque já não sei mais sentir. O que me assombra não é a morte, mas a vida com as suas sutilezas e mensagens subliminares quando tudo vai pelo ralo abaixo ou pelos ares, quando não tenho pelos suficientes para me defender das temperaturas abaixo de zero dos acontecimentos quentes.

Não tenho verniz, berço, nem nada que me valha. Sou fruto de mim mesma, das manhãs cansadas, dos ônibus cheios, do esforço inglório e diário que me crucifica nos horários, no calendário louco que anda devagar na pressa e rápido na fragilidade tão minha.

Nada sou, nada guardo, nada sei, nada quero pensar, nem ver: basta-me sentir, basta-me esse momento de vã filosofia e delírio enquanto nada tenho nas mãos pois, eu sei que mesmo de mãos vazias, eu ainda tenho o mundo e a poesia.


Karla Bardanza













Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

APENAS UMA ACROBACIA


 Pegue esta palavra,
segure-a com as mãos fechadas,
segure-a para que ela
não se dissipe.

Guarde-a entre
as linhas do destino
e do amor.
Não deixe que ela
escorra pelo seu desatino,
pelo seu momento
que já acabou.

Tudo cabe nela,
tudo: 
o mundo
Tudo esta no limite
sem fundo.

Algo em mim,
me supera e se expande.
Algo em mim,
me espera e é tão grande.
Não posso mais caber
na minha fragilidade,
Não posso.

Estou tentando
manter essa palavra
nas minhas mãos assustadas.
Estou segurando
essa metáfora
que me contém.

Estou tentando
equilibrar-me
nesta corda bamba
com a minha vida nas mãos.


Por que será
que mesmo no alto,
sinto-me tão perto
do chão?






Karla Bardanza









Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

O QUE NÃO SE ACHA DENTRO





 Na beira do abismo,
mansidão:
um salto para o todo
vazio.
Chuva, nuvens,
a vida sente medo,
 a vida sente frio.

Com os olhos 
para o alto,
o grande salto
para o infinito morrer:
ela=eu=você


Louca trajetória
para alguma página,
para sua própria história,
para algo tão ameaçador
e maior.
Ela está tão em si e só.


A vida começa pelo avesso,
pelo nada, pela busca 
infinita e aflita
do que não se acha dentro.
Ela perdeu o eixo,
ela está no centro
do que não tem começo
ou fim.


Ela desaprendeu o sim,
esquecendo o não,
ela cai lentamente
na palma da minha mão.


Na beira do abismo,
o olhar cego para o alto,
o sonho, o palco,
a palavra interdita,
a mulher que me fita.


E juntas vamos
para nenhum lugar,
perdendo os pedaços
pelo ar,
respirando
até não
mais
respirar.




Karla Bardanza







Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

O AMOR É O VERBO QUE PEGOU FOGO

 O amor é uma palavra em movimento,
arranhando a lua, mordendo o vento,
me empurrando para perto de mim
mesma quando estou fora do céu
e longe do tempo.

O amor é um verbo ousado e cheio
de manhã que assanha e inventa
a minha pele, os meus pelos, os meus sóis
na esquina da cama enquanto
te chamo para dentro,
sussurrando nós. 

Enxuga essa gota que cai ainda
dos meus olhos de espelho, fale
essas coisas perdidas dentro de ti
que me faz tanto bem ouvir.
Sigamos as musas
enquanto a hora abusa do desejo,
enquanto esse beijo te busca.

O amor é esse impulso para
a vida, para o instante delicado
quando te quero mais safado,
mais corpo, mais profundo.
O amor é o mundo.

Confesso sem medo
que o prazer é poesia,
que é esse nosso agora destemido
rasgando a sala, o quarto,
os lençõis agora que estamos
tão sós, tão lindamente sós.

O amor é isso que me dói tanto,
tanto sentir outra vez e que se
enrosca em mim como letras,
como palavras e prece.
O amor é a armadilha que você
me tece como uma aranha
impassível e feliz, dizendo
com as mãos o que a boca
não diz.

Sigamos as musas.
O amor é a blusa no chão,
a mão sem limites, a metamorfose
indecente da alma,
o desespero puro do querer e dar.
 O amor é o verbo que pegou fogo.
O amor é a fúria calma
que vive em mim de novo.



Karla Bardanza














Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

MINHA ALMA TEM MUITAS MÚSICAS


A vida está nestas pequenas coisas, nestas coisas que não ouvimos ou vemos porque estamos sempre fazendo algo para não ouvir ou ver. Ouço Cocteau Twins e a música faz amor comigo num ritmo tão lento, tão lento que o vento pára para ver a melodia escorrendo de dentro de mim. Danço pelo Dó, nada me satisfaz além deste Ré que está em Si e em mim. O Fá me leva para Lá, para perto do Sol, para perto dos Deuses. Ouço as palavras caindo da boca do sonho e quero o desejo mais próximo enquanto o prazer caminha pela minha pele, pelos meus absurdos doces, existo nesta música.Existo para além deste agora, deste momento de minutos que evapora, deixando o seu perfume nas minhas mãos ressecadas e de ressaca: viver pode ser um porre.

Agarro a vida e ela dança comigo, evoluímos meigamente pelo salão com tanta classe e paixão. Quem olha, nunca pode ver o quanto os meus pés estão esfolados e deformados. Fico de olhos fechados para não olhar as feridas enquanto sangro. Finjo não sentir dor, finjo estar imune ao amor e às estrelas.Minha alma tem tantas músicas, meu passado também: algumas me fazem mal mesmo fazendo bem. Ouço todas com as mãos crispadas enquanto danço e quando terminham todos os acordes, acordo.

Alguém me disse que estou morta. Devo estar...Não sei...Alguém toque uma música para me ressuscitar. Se eu não conseguir abrir os olhos e voltar, por favor, peçam os Cocteau Twins para cantar.




 Karla Bardanza










Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

PEQUENAS ALEGRIAS




 Essas pequenas alegrias
que ainda me ferem
são as melhores,
são as que mais me fazem
eu me sentir gente.

Às vezes,
não sei como encontrá-las
ou se elas querem
esse encontro.

Olhar para dentro
e pescar o passado
é sempre mais difícil.
Extraio pérolas desses
intantes mágicos,
calados
nos balões pelo céu
ainda azul.

Solto-me
e
perco o norte
e o sul
sem querer voltar
para o chão limitado
do real
e imediato acontecer.

Essas pequenas alegrias
que quase perdi,
trazem-me quase tudo,
menos você,
menos você.



Karla Bardanza












Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

A VIDA VAI ME MATAR ALGUM DIA

  A vida ainda vai me matar algum dia
enquanto eu voou para o (des)conhecido,
ouvindo aquele velho grito, 
que guarda os meus segredos
nos bolsos furados do talvez.

Espero que alguém me atire respostas logo
ou me salve, pois a gilete está enferrujada
e a janela entreaberta. Estou cega demais
para ver qualquer estrela
ou o sol atrás do arame farpado.

Talvez eu encoste a minha cabeça no ombro do desespero
e alimente a lua sangrenta enquanto
me afogo nas águas misteriosas do meu inconsciente.

Talvez eu me case com a angústia dos meus olhos
e abra o zíper dos meus medos, caindo feliz em algum abismo.
A viagem é sempre doce apesar de tudo.

Acho que a vida vai me matar algum dia
e eu estarei em alguma sombra, com a testa franzida,
olhando para essa coisa feia dormindo dentro de mim.

Espero não esquecer o portão aberto desta vez:
este portão que sempre me leva de volta
para essa grande ilusão diária
ou eu nunca terminarei esta nota suicida.

A vida ainda vai me matar algum dia
e eu continuo aqui lambendo no escuro
a mesma ferida.





Karla Bardanza












Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

PERDÃO ROUBADO


 Se eu te perdoar,
não me perdoarei.

Talvez eu possa perdoar as nuvens
por sua breve existência.
Talvez eu possa perdoar as estrelas
por ficarem tão pouco 
no céu.

Se eu te perdoar,
não me perdoarei.

Perdoa-me também
por ser mais má
do que boa,
por desconhecer o bem.
Esse bem torto
que levanta às seis
e vive de discursos politicamente
corretos.

Tenho tantas sombras
na minha luz:
a escuridão sempre me ajudou
a ver melhor.

Se eu te perdoar,
estarei bem menor,
bem mais tosca,
bem mais isso.

Se eu te perdoar,
serei menos:
menos esquisita,
menos aflita,
menos mulher.

Se eu te perdoar,
não te perdoarei.
Permito-me solidificar
o ar enquanto esqueço.

E se eu morrer
por agora,
antes da mágoa ir embora,
te digo mais uma vez
que nunca te perdoarei
e não te perdoarei
por tudo que fizestes
quando não fez,
por todas aquelas pequenas coisas
que te deixam mais bêbado,
mais morto,
mais,
muito mais,
por essa paz que me tirastes,
pelo próprio perdão
que um dia me roubastes.





Karla Bardanza










Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

UM DESEJO PARA CHAMAR DE SEU


Quando a sala suspira é porque as paredes chamam o passado para dividir o mesmo copo vazio da insatisfação. Ela não bebe quase nada. Detesta o gosto amargo do que ainda resta na borda da taça cheia de possibilidades.


A tinta amarela derrete, a novela chora com as mesmas dores, tudo está tão igual. Ela vive roubando o presente das suas possíveis surpresas. Nada é tão importante assim. Ontem, ela estava com o mesmo olhar sem caminho. Ontem, ela estava com a mesma calça jeans e a mesma camiseta. Algo desaconteceu. Ela está viva em alguns dias da semana: justamente aqueles em que seus seios apontam para o seu obscuro objeto de prazer.


Quando as horas calam mansas, ela investiga o desejo com os seus olhos oblíquos. O momento é feito de sal e vontade. O gosto fica na boca elevando e abaixando a pressão. Os altos e baixos do corpo que arqueja sem arquejar, da cerveja que morre na mesa coberta de solidão, de tudo que fica na penumbra, no baú nunca aberto.


Ela não sabe mais como fazer belas teias, ela não mata mais as vítimas: ela não entende mais de caçadas. A idade chegou com o peso do silêncio e do bom senso. E agora?


Não há respostas, nem eternidades. Não há descanso. Toda a tranquilidade é fictícia. O teatro pede tantas máscaras. Ela perdeu algumas pelo caminho. No momento, tem usado a mesma. A vida ficou tão real que chega a ferir. Hoje ela já acordou exausta com a mesma realidade. Amanhã ela não pretende sair de casa. Talvez, lave roupa, talvez cozinhe. Talvez. Há tantas opções que não escolheu.


Ela precisa apenas de uma única coisa: um desejo para chamar de seu ou quem sabe entrar e contato com o seu deus. Enquanto o rio flue, ela veste a mesma camiseta sem graça e dorme cedo. E nem dormindo, sonha mais.




Karla Bardanza

Outras prosas poéticas minhas estão aqui










Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

YULE




Enquanto semeio idéias aqui e ali,
o solstício me abraça.
Yule chegou com graça
e
esta aqui dentro de mim.


O inverno
acorda
tão manso
e a Deusa vai descansar.
Acendi uma vela branca
e um incenso de alecrim.
Bebi o vinho para
celebrar mais um giro
da roda solar.
As flores sonham no jardim.

No ventre da Deusa,
repouso e folhas caladas.
No ventre da Deusa,
aprendi a ser encantada.
Ela me deu uma estrela
que pendurei no meu pescoço,
Ela me disse palavras que guardo
com gratidão.


A Deusa dorme,
e Ele segura a minha mão.
Aguardo.


Yule chegou:
espero  nas sombras,
todas as coisas
bonitas que irão brotar
do solo delicado
onde dorme a Deusa.

Estou gestando a vida
uma vez mais,
nos braços da flor,
nas pétalas da paz.








Karla Bardanza










Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

PONTUANDO A VIDA


Pensei, dois pontos:

isto é apenas o fim, ponto final.

 E sem direito a happy end

ou reticências...


Parênteses

(o que nunca começou, não pode acabar)



Karla Bardanza












Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

O QUE NÃO PRECISAMOS DIZER

Quando você baixava o zíper da noite
e
via as estrelas
saindo devagar
das minhas esquinas
enluaradas,
nunca dizia nada
que nós dois já não soubéssemos.


Teus silêncios sempre falavam tanto.



Quando eu desabotoava as flores
da tua camisa
e
via pétalas tão macias na tua alma,
eu nunca dizia nada
que nós dois já não soubéssemos.


Meus silêncios sempre calavam os teus olhos.



Quando ficávamos com os nossos corações nus
e casávamos mais uma vez,
você sempre segurava a minha mão encostada
no teu peito
e ai
eu ouvia todas as palavras
que nunca precisastes me dizer.



Karla Bardanza






Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

AH! EU ENTREI NA RODA...

Descubro-me todo dia.

Abro minha mente
e
sou possibilidade
desde que
os Deuses jogaram pétalas de rosa
no meu caminho.

Depois disso,
passei a me procurar por ai
sem buscar uma única verdade.
(existem tantas...)

Todo dia,
há despertamento.
Coço os meus olhos
para enxergar melhor
essas coisas que as pessoas
tentam não ver.

Preparo-me para a noite,
acendendo a Lua,
toda vestida de céu.
Quando entrego a poesia da vida ao vento
meus olhos estão cheios de alma,
meus chakras estão coloridos
pelos meus seis sentidos.
pela voz do tempo.

E se isso não fizer
nenhum sentido para quem
do círculo esta fora,
olhe para baixo
ou
diga um verso bem bonito,
diga adeus
e
vá se embora.
Ah! Eu entrei na roda...






Karla Bardanza













Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

SALTO SOBRE A ESCURIDÃO

 Quando ela era criança,
não havia luz.
Todas as tardes eram escuras.
Ela nunca pode entender
porque 
estava tão longe da claridade.

Ninguém via.
Ninguém sabia.
Ela estava sozinha 
naquele tempo de desentendimento.
Tudo que queria era correr pelo quintal.
Correr até chegar do outro lado do espelho
e olhar para aquele rosto 
que desfigurava
as suas tardes, 
a sua mansidão.

Às vezes, ela ainda se sente tão invisível
e lembra daquele ano perdido,
daquelas mãos que a faziam
agonizar calada.
Ela ainda guarda o medo
engole a seco quando
sente sono.

Algo ainda insiste
em estar ali,
em estar
ali.
 Nessas horas
tão escuras,
ela abre os braços
e enfrenta toda a altura
de sua dor e se joga
de olhos fechados
pela janela.
Com o tempo,
ela aprendeu que cada vez
que caia e se levantava,
estava mais forte
e
mais
b
e
l
a


Karla Bardanza








Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

ANTÍTESES, ÁGUAS E AFINS



As antíteses amamentam-me diariamente. Não vivo apenas de amor. De vez em quando, deixo umas gotas de ódio cair no meu café. Nesses momentos, lembro-me um pouco de mim e das pequenas atrocidades que a vida insiste em cometer. São coisas inexplicáveis. Não consigo ser luz todo o tempo, minha escuridão sorri também.

Eu atravesso a nado essa dualidade, sem buscar respostas ou me acusar: a vida é doce e violenta, eu sou doce e violenta. Faço um esforço terrível para ser frágil, faço um esforço terrível para ser forte. Viver é uma dura missão.

Na maioria da vezes, sou mais do que uma antítese, sou apenas água: estou sólida e fria, distante do céu, distante da magia. Mas, algo entra em fusão e eu derreto. Quase sempre é porque o meu coração transbordou ou então, os meus olhos viram uma pétala, uma árvore, uma pedra, um bicho em glória deitado ao sol. Meus olhos agarram a melhor parte do real:o afeto é líquido. São coisas dentro do dentro de mim. Quando sublimo é porque o teu azul é mais forte do que o céu: o desejo evapora, a hora dilue, estou em ebulição. Condenso: sou nuvem. Chovo sem você, chovo calmamente no calendário ao lado da noite vazia de esperanças.

Todo o processo é natural. Sou bem transparente mesmo quando ninguém pode ver o meu além. Mas, não faz mal, mas não faz bem. Um dia desses, vou ainda descobrir a antítese certa, uma que me acalme e me deixe sedada de vez.



Karla Bardanza


Mais uma prosa minha que está no Os Fios do Infinito










Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

NÃO PRECISO MAIS DE MIM



 Toda a distância que nos une e nos separa é apenas uma palavra não dita. 
Ignoro essa coisa pequena e infame que não aumenta, nem diminue o meu calendário sem números e sem devir.
Todo dia é um excesso perigoso quando eu caminho sem olhar para frente ou para os lados.
Mesmo com todos os sinais fechados, ultrapasso a mim mesma e nunca freio. 
Quase nada me apavora, quase nada devora a minha alma ou as minhas entranhas quando o Sol cala e consente.
A vida já foi mais indecente, mais voraz. Já tive tanta fome. 
Não me lembro da última vez que comi os teus olhos, 
que bebi a eternidade nas tuas mãos sem luar, sem essas linhas do destino
que cruzaram e se embolaram com as minhas.
Faz tanto tempo que tua pele era meu corpo.
Faz tanto tempo que fomos. 
Se é que fomos. Talvez nunca tenhamos sido. 
O amor nunca sabe que é amor.
O amor nunca soube muito como me entender, como sentar perto de mim, como falar as coisas que eu precisava tanto aprender ou ouvir. 
Não sinto mais falta do que esqueci de ter ou do que a vida esqueceu de me oferecer. 
Há tantos silêncios nas minhas entrelinhas. Há tantas metáforas em estar sozinha. 
Decifro-as com calma e delicadeza sem decodificar todas. 
O melhor enigma é ainda a resposta que eu nunca terei 
porque esta resposta já não vale mais a pena. 
Que morram todas as palavras, todas as imagens, 
todas as coisas que um dia me fizeram selvagem. 
Não preciso mais de mim, não carece mais esperar.



Karla Bardanza









Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados