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DE PEITO ABERTO


Quadro de Yigal Ozeri





O tempo me acompanha
por alamedas
que fecho os olhos
para não ver.

Vou seguindo cega,
vou seguindo arisca
pelos planos
que o tempo risca.

Às vezes, descalça,
às vezes amordaçada,
sigo docemente
até o fim do nada.

Há abismos,
cachoeiras e um coração
que reclama prazer.
Há melodias acorrentadas,
Deuses que dançam
e muitas verdades
que pertencem apenas
a mim.

Não paro para analisar
minhas feridas
ou colocar um band aid
na alma.
Que o sangue escorra,
que os pés fiquem acabados,
sigo para além deste mundo profano.

Minha cegueira é sagrada
e eu não tenho medo dos meus desenganos.
A vida me deu
muita coisa que nem achei 
que teria.
Só me resta mesmo
a gratidão, a certeza absoluta
que nasci com cheiro de luta,
com as mãos chamando a lua,
com a coragem nua
de ser sempre eu mesma
por mais difícil
que essa missão possa ser.



Karla Bardanza








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YASMIM FAZ 15 ANOS




Yasmim faz 15 anos.
Debruço-me para vê-la
passar pelas estrelas
enquanto falo baixinho
para o universo
coisas que só nós dois
entendemos.

Daqui a pouco
vou parir mais uma vez.
Estou em estado permanente de flor:
desabrocho lentamente,
enraizando naquela
que há de me continuar.

Agradeço a Deusa
com as mãos cheias de pétalas
e os olhos de algodão.
Meu útero foi abençoado.
Do meu ventre eterno,
veio a que é o meu infinito.

Não tenho mais palavras
porque meus olhos derramam-se
em líquido afeto.
Sinto o céu nos meus pés
e o meu corpo abrindo-se de novo
para o fogo libertador
da vida.

A lua chegou mais perto
só para olhar:
mostro Yasmim para ela
como fiz há quinze anos atrás
e dentro de mim,
toda a delicadeza
derrama-se em paz.


Karla Bardanza
Hoje minha filha faz 15 anos e eu estou chorando, emocionada, escrevendo este poema. Que ele seja imortalizado pelos Deuses nos quatro canto do mundo e que a Grande Deusa nos abençoe para que vivamos em Perfeito Amor e Perfeita Confiança sempre.






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VÓS SOIS DEUSAS


Quantas mulheres
você pode ser?
Quantas estão guardadas
nos bolsos da memória?

Cabelo comprido,
cabelo curto,
saia longa,
tanga.
Quantos trunfos
você ainda tem na manga?

A feiticeira,
a virgem,
a sedutora
causando vertigem.

A mãe da mãe,
a mãe da filha,
a amante,
a senhora
e a escrava.
A cortesã distante,
a ousada
e a brava.

A guerreira
do ônibus lotado,
a dona de casa,
a mulher de mil faces
e asas.

A Deusa,
Aquela que é mistério
profano e sagrado,
A Lua e A Sacerdotisa,
A flor e a brisa.

Quantas mulheres você pode ser?
Quantas acordam
quanto você levanta?
Quantas estão do teu lado
desde o café da manhã
até a janta?

Quantas moram no teu sexo
e deliram de prazer
nas noites sem nexo
de desejo e querer?

Elas moram em mim.
em todas nós.
Vós sois Deusas,
vós sois o que vive
entre as estrelas
e a beleza.

Quantas mulheres
estão contigo desde a pré-eternidade?
Quantas mulheres
vergam no teu peito
cheio de saudade?

Dispa-se
e suba no pedestal:
deixem que caiam de joelhos
aos teus pés e peçam perdão
por terem calado a tua voz.

Agora é a nossa vez.
Agora,
somos nós.



Karla Bardanza


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AS VEIAS DA TERRA




Deixa escorrer a vida
pelas veias da terra,
sangue incolor,
amor e bebida.

Deixe-a vir enquanto Zephyro 
encanta as ondinas e as ninfas suspiram.
Vejo pérolas e ametistas
que esperam pacientemente
nas mãos das sereias.
É outono:
tudo dorme,
menos ela.

Deixe-a brotar
por onde pisa Yemanjá.
Deixe-a enfeitar
os sonhos de Afrodite e Tiamat.

Ela
veio do oeste,
veio do tempo
que chora,
evapora
e solidifica.
Ela nunca fica
onde pensam
que ela deveria estar.

Deixe-a
no peito de Osíris, Poseidon
e Netuno.
Ela é o coração da terra,
a palavra dita
e esquecida.
Ela é a vida que escorre da vida.



Karla Bardanza










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O RISCO DO BORDADO

Quadro de Gordana Curgus



Sonho horizontalmente
com a toda perfeição
que nunca terei.

Faço abstrações,
reuniões com o meu alter-ego
e nego as muitas palavras que escorregam
de minha boca
diante de todas as possibilidades do real.

Penso no desconforto
de estar sentada do lado
e não de frente,
penso em mim entrando na cozinha
e na reação imediata que causo
quando a minha pele está mais charmosa
e perto da noite,
traço o risco do bordado
mas não tenho a agulha
ou as armas necessárias
para alinhavar o horizonte.

Deito-me distante
e mesmo distante
(mesmo em outros braços),
algo consome a minha vidinha.
Há tanta indelicadeza no sonho
quando ele é incompleto.

Cheguei cedo demais
nesta festa.
Dezoito luas separam-me
do meu deus absoluto.
Quase nada mais tenho
nem mesmo a poesia.
Perdi tanto
que restou apenas
a memória.

Não tenho certezas
salvo aquelas que me deixam
muito mais longe
do que sinto.
Não reclamo:
se você está feliz, eu estou também.

Como é inexoravelmente
triste tentar quando
falta tudo,
quando o mundo parece
resumido em uma só linha.

Alberto Caeiro
ensinou-me a maior verdade
desde que te vi com/sem barba:
pensar em ti me completa.

Deve ser
por isso que estou repleta
de vazios,
ninguém consegue entender
a minha densidade,
nem capturar a minha tessitura
como você.

Te desejo tanto bem
que me faz até mal.
Talvez seja melhor assim
porque
eu vejo o amor desaparecer
dentro do dentro de mim.



Karla Bardanza





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MAL- EDUCADA (HAIKU DUPLO)

Quadro de Antonio Cazorla




Pétalas mansas
esperam nas flores,
sonhos acordam.

Eu durmo ainda.
Sou uma dama da noite
indelicada.



Karla Bardanza








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DIGITAIS

Quadro de Ennio Montariello





De tanto insistir,
desisto.
Passos miúdos,
uma fuga quase real.

Depois
de entrelaçarmos as mãos,
não há mais espaço
em ti para o agora,
para o que foi perdido.

Sou a única protagonista
ainda neste episódio.
Tempo e dor misturam-se:
é tarde demais para tentar.
(apenas eu não tinha visto
o roteiro.)

Não, não precisa dizer 
nada.
Quantos silêncios cabem
no teu silêncio?
Não há lágrimas aqui,
nem profundo desespero.
Não há absolutamente nada
porque não posso perder
o que nunca tive.

O caminho parece longo
entre a tua porta
e a minha.
Nunca me senti tão
ridícula e sozinha.
Sou uma atriz
que perdeu a vez, a voz
e a fala.

Percebo finalmente
quantos anos tenho,
vergo sob o peso do
meu tolo coração,
deixando enfim cair
as tuas digitais 
que ainda embaraçavam
as linhas das minhas mãos.


Karla Bardanza








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O AMOR É A MINHA RELIGIÃO ☽✪☾

Quadro de Monique Cooper



É apenas de luz esse amor
que sempre me busca até o fim.
Todos os céus cabem em uma flor
quando a Deusa desperta em mim. 

Água, terra, fogo e ar,
a vida suspira tão mansa e calma,
Minha Mãe enfeita-se de luar
e vem perfumar a minha alma.

Com Ela, celebro a beleza
e aprendo a sagrada perfeição,
sussurrando com delicadeza
que o amor sempre será a minha religião.



Karla Bardanza ☽✪☾






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SOBREVIDA

 Quadro de Irma Kusiani





Se eu sobreviver a vida
e a eternidade do agora,
a hora será mais mansa
e eu saberei por que quero viver
ou morrer.

Não perdi a consideração
por mim mesma ainda.
Mesmo quando eu não puder
mais comigo mesma,
vou pôr os pés
no chão e tentar mais um vez.

O que vier depois
será apenas poesia
ou quem sabe insensatez
Não sou mulher de abandonos
ou  grandes ousadias.
Sou mesmo é uma sobrevivente.



Karla Bardanza









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O TEMPO ME PERDEU

Quadro de Jennifer Nehrbass





O que está aqui dentro
ainda me desobedece,
procuro pensar em Mr Darcy,
em Elizabeth Bennet,
em coisas abstratas
enquanto a metafísica do amor
entra em meus olhos
e não transcende
a minha vã filosofia.

O caminho tem um único nome:
solidão.
O tempo me perdeu.
Viro a ampulheta, tentando
contar os grãos da areia
que me restam,
exorcizo os meus medos,
faço coisas para esquecer.

Não sei como
não amar Mr Darcy.
Ele ainda é o homem absoluto
que mora nos bolsos do querer.
Vesti a roupa de Elizabeth,
mas ele não veio.
Não espero mais também.

Por que perco a exatidão
dos sonhos, o meu controle de qualidade,
a vontade como desejo?
Renego-me por dois segundos.
Não posso continuar imersa
nas bolinhas de naftalina.

Faço sinal
para o ônibus na esquina
e subo nele,
quase cansada,
quase tonta,
mecanicamente
abrindo a janela
e olhando as pessoas
e os seus passos.

Por que nunca consegui
ser igual a ninguém?
Meu happy end ficou em Hollywood.
Abro um livro de autoajuda
e não me encontro nele.
Onde eu fui parar?

Esta sou após os quarenta:
uma mulher gritando confortavelmente
em cárcere privado



Karla Bardanza




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E DEPOIS?

Quadro de Juan Medina





Essa luz precária,
habitante esquecida dos teus olhos,
apenas eu posso ainda ver.
Por que insisto
em olhar-te
quando cobres o teu peito
com as asas nas horas duvidosas?

É quase insuportável
quando a esperança
procura o meu coração
e eu a empurro para baixo
dos teus pneus,
para um deus que desconheço 
o nome nas noites
sem chão.

Se eu pudesse viver
todo esse delírio,
se eu pudesse
tocar o que some
dentro do coração...
De ti,
tenho a vertigem,
o descuido,
a vontade insensata
de olhos sempre azuis,
o medo que flui
quando estou quase lá
e volto
perguntando-te:
"e depois?"


Mas depois do depois
nada mais há:
nem eu,
nem você,
nem o que foi de nós dois.


Karla Bardanza





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CHEIA

Quadro de Will Cotton



Sigo a água.
Gota a gota
escorro.
Apenas mansidão.

Desço
um corpo abaixo,
sem rumo vou.
Não penso:
vou caindo
levemente,
sem sentir,
sem fingir,
sem.

E vou
desafiadoramente
lambendo
pelos,
peles,
braços,
pernas,
poros,
partes
e
quando
tudo se (re)parte,
ainda estou
inteira,
virgem,
distante.

E
nunca mais
volto
a dissolver
ou
resolver
o que ficou
solidificado
no ar.

Sigo a água.
Resta-me apenas
transbordar.




Karla Bardanza










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NA VOLTA

Quadro de Blake Flynn





substituam esse momento
por uma coisa inominada,
por algo que me leve para fora
de mim.
meu desassossego não tem sílabas,
consoantes, vogais, nem pontos finais.

a vida está esburacada
e eu não careço de nada
que eu já conheça, perceba,
segure com as minhas mãos obscenas
e língua sem limites.

o que existe, existe e
já não me basta
porque quero o transe da noite,
o avesso do outro,
o gozo sacana de quem vive
de aventura.

quando eu despertar,
deixe-me ainda dormindo:
não quero ver os enganos da eternidade
tampouco os infinitos que cabem
em minhas muitas moradas.

sou o que ainda posso ser
mesmo bruta,
mesmo puta,
mesmo sem você.



Karla Bardanza



É bom estar de volta!



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SER



Maravilho-me:
a vida é uma coleção de luzes
pulsando ao meu redor,
chamando o meu impossível,
acendendo as coisas
escuras aqui dentro.

Estou salva
de minhas neuroses,
psicoses e fobias.
Seria até uma nova mulher
se não fosse a minha rude delicadeza 
e
a minha falta de imaginação
toda segunda-feira.

Olhem bem para mim:
estou iluminada.
Apaguem as estrelas
e deixem a Lua quieta,
por favor.
Hoje eu sou.



Karla Bardanza

Minhas Queridas, Meus Queridos,

Estarei viajando nos próximos dias. 
Até que nos vejamos de novo,
fiquem na mãos dos Deuses.
Bom feriado a todos.
Amor e Luz!






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(DIS)SOLUÇÃO

Quadro de Grace Lin




Fatiei os minutos e as horas
e os servi em bandejas
de esquecimento,
deixando
um pouco de mim
e do tempo
em mãos assustadas
e olhos de infinito.

E escrevi
na eternidade,
o que sinto,
o que minto,
o que me dissolve
em inexatidão
quando
seguravas as minhas mãos
e os relógios
congelavam.

Coisas morrem,
tudo vai com
o vento.
Resta quase nada
apenas o instante inacabado,
a frase que ficou
para trás,
a paz que não me faz falta,
o tempo de cabelos brancos.


Karla Bardanza




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VIRANDO A PÁGINA

 Quadro de Arthur Wardle




Deito em flores,
tão livre de mim mesma,
tão enlouquecidamente curada
de todos os males.

Alguém destampou
o meu peito
e deixou escorrer
tudo dentro de mim.

Recomeço em jardins,
em contos de fada,
em lendas que ainda
nem foram escritas.
Recomeço
mais uma vez.

E já chego
de olhos fechados,
inaugurando uma nova história
sem muitas explicações.

Cada um que
(me) entenda como
quiser.



Karla Bardanza









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MINHA PSICOLOGIA BARATA - PARTE ll

Quadro de Wendy Ng





Aqui
tudo é relativo
e mutável.
Verdades engessadas
quebram o tempo todo
aos meus pés
e eu arranco
os meus olhos
para ver com mais nitidez
o meu mais novo livro de Psicologia.

Para fugir
do mundo cartesiano,
parei de pensar
só porque existir
é cansativo demais
quando já não me resta
nem a poesia.
Prefiro ser um líquen,
ser um lírio, ser algo,
ser apenas enquanto
esqueço Marcuse,
Eros e a civilização
em outra dimensão.

Amanhã,
vou acordar dois dias
mais velha,
e tudo vai estar
igualzinho a ontem.
Já não me importo
com isso.
Só preciso mesmo
estar acima
dos conceitos de mal e bem.

Quanto ao resto,
lavo as minhas mãos.
Lacan já me falou que vou
continuar a ser
o sintoma de alguém.
( mas isso até Freud e Jung já sabem também)


Karla Bardanza










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ADIEU

Quadro de Xi Pan




Parto cega
e sem pressa
pelas ruas do meu corpo,
ultrapassando todos sinais fechados
que escolhi para deixar-te 
como paisagem.

Você morrerá
saudavelmente todo dia
enquanto a poesia 
pinga nas minhas veias,
dando-me uma segunda chance
e uma nova vida.

Não levarei saudades,
lembranças, nem coisas
ou mesmo palavras.
Partirei brava,
descabelada
e descalça,
deixando as alças
do vestido cansado cair.

E olhando
apenas frente,
te prometo
que vou
é ser mais,
muito mais feliz
quando eu sorrir.


Karla Bardanza








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