Quando eu era garota,
meu pai levava O Pasquim para casa.
Líamos escondidos
como se fossemos cúmplices
de um crime perfeito,
o coração na boca,
o sistema entalado na garganta,
a penumbra do desassossego,
coisas que as pessoas esqueceram.
Penso naqueles momentos
com gratidão,
penso no meu pai - esse sujeito
que me ensinou a transgredir com fé-
dando-me as mãos
para que eu fosse maior
e muito mais eu enquanto
o Big Brother de George Orwell
denunciava mais um vizinho.
Foi ele
quem me deu
o primeiro par de asas
quando só nos restava rastejar.
Olho para trás,
sentindo o gosto do passado na boca,
sabendo o quanto custou
ter as nossas línguas de volta
para saborearmos a nossa liberdade.
E amo meu pai muito mais
por ter me ensinado
a resistir até o fim.
Karla Bardanza
Este poema é dedicado ao meu pai. Saudades do meu primeiro e único herói.
O Pasquim foi um semanário brasileiro editado entre 26 de junho de 1969 e 11 de novembro de 1991, reconhecido por seu papel de oposição ao regime militar.
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