As mãos tocam a eternidade: a pele é chaga, quente clamor. Esse homem, ela colocou no santuário das sombras com velas e incensos, com flores e lenços brancos. Paz apenas.
Quando ela se ajoelha e pede mais, os céus escutam aquela prece com as estrelas derramando mais do que luz, mais do que tudo que realmente é permitido pedir. Ela fez dele um santo, um deus, um algo impossível demais. Ele nada diz. Quando perde-se nos cabelos dela, pensa na noite escura, na escuridão que sorri, nas coisas que o fazem enorme, grandioso e espetacular.
Esse desejo veio engatinhado, fazendo manha, chorando por atenção: ele estendeu a delicadeza no chão e a deixou passar. Nunca entendeu todo aquele bem que ela sempre faz, nunca entendeu porque ele ancorou naquele sombrio cais tão feio, tão comido pelos ventos do desagravo.
O amor entre os dois aconteceu na contramão, num momento de derrapagem. Ela bateu de frente com ele e no entanto, foi ele quem saiu das ferragens. Ele não queria acordar com aquela mulher sem charme e salto alto, ele não buscou aqueles olhos repletos de nuvens e ocasos. Aconteceu entre um problema e outro. Aconteceu.
Ela olhava para sua barba e via mundos, matagais, coisas desejantes e desejosas. Ele era a grande chave para todos os mistérios atrás de Lilith. Ela aqueceu o caldeirão e jogou nele toda a magia que guardava dentro dos bolsos. Aconteceu.
Cítaras tocam, perfume de canela, incenso de almíscar, lençóis de mansidão, tapetes de cetim, jardim de delícias: o amor desconhece as leis da evolução, os planos traçados, os caminhos sem bifurcações. A estrada é de palavras, de livros e essências.
Ela ouve a poesia e guarda uma raposa nas linhas torturadas de seus sonhos. Ela ouve os balões, pinta poemas em suas metáforas e cozinha com leveza e manjericão. Quando ele chega, ela já está com a sua alma nas mãos e o beija com a boca de luar.
Ele cabe inteiro em seu universo surreal. Ele é a encarnação do prazer e da emoção. Com ela, mares e caravelas. Com ela, o assombro do medo.
Assim é o que deve ser. Assim é o amor que deita comigo e ama tão somente você.
Karla Bardanza
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