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DAS IGNORÂNCIAS IGNORADAS

Edith Lebeau



Ignoro o que adentra e adoro.
Fecho os olhos, canto.
No canto, apenas a voz,
a mão, a saia, a foz:
 tudo antes que eu desmaia.

Um claro enigma, uma coisa absurda,
e eu sempre quase surda
para o que ainda anda dentro
e dentro de mim,
o avesso de mim,
sim,
sim.

Não.
Não.
Isso deve ter cheiro,
deve ter choro,
deve lamber o céu da boca,
deve ser eu louca,
deve ser.

De costas,
estou de frente.
De frente,
estou do lado de fora 
e já fui embora,
e já fui para o limiar
que morre,
que vive
no fogo,
no jogo
do meu quase olhar.

Jogo a pele no chão,
a palavra no bolso,
o moço no porão.

De amor, só quero mesmo
a mais frágil recordação,
a mais tênue vontade
posto que tudo que durou,
ainda arde.


Karla Bardanza

 






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UM E DOIS

Olga Sugden







Se pudesses vir comigo
porque não entendo

Se pudesses abrir as palavras
e encontrar o meu estranhamento,
o meu momento igual e diferente
que eu pouco sinto,
que você mente

Como seria navegar 
em águas rasas,
em sentidos de agosto? 

Um rosto toca o meu desentendimento:
esse eu narrante e narrado
e por dois intervalos e um instante,
o coração chega atrasado

Se pudesses vir comigo
porque um peixe fugiu do aquário,
porque o centro descentraliza,
porque tudo morre e precisa

Mas quem pode caminhar lado a lado
sem olhar para frente,
sem deixar cair os próprios pedaços 
no asfalto cru?

Mas quem pode viver de peito nu
quando a boca sonolenta
dorme antes e depois?

Mas quem pode
ser um quando já nasceu
dois?


Karla Bardanza
 
 






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ESSA COISA

Amy Judd



  O que ficou
e já não tenho
é o prazer da ferida,
é o espaço calmo e lento
que morre dia sim e não
na boca do vento

A cabeça sonolenta
no sofá vazio,
o inverno macio e devorador,
a coisa estranha
que pronuncio baixo
quando a raiva
é quase amor

Passos da sala 
para o quarto,
fatos e palavras
no linho da noite,
esconderijo do corpo,
do fogo, das pernas 
ainda abertas e sedentas.

E isso não é apenas sentido ou
desassossego 
E isso é aquilo que não mais choro,
que nem mais sei se sabia
porque isso é apenas medo



Karla Bardanza





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OBSCENA-MENTE


Paulo Cabral
Pensei que podia escrever quando a palavra ousasse, quando arrastava milhares de répteis e vomitava fogo para queimar propositalmente todos que pudessem ler as minhas artimanhas enjoadas. Pensei que podia deter a noite no meio dos dias e as coisas que já me danificaram o lado virgem da alma. Não consigo calar a boca da mente, as vontades obscenas, inclusive àquelas de ser poeta como se isso não fosse dom e disciplina. Talvez, algum dia, eu consiga chegar lá do outro lado de mim e ser um melhor algo, um eu mais sonoro e grandioso. Nunca alcancei a magnificência do outro. A grama parecia mais verde, mas era artificial. Preferir ser insignificantemente cheia de significâncias...Quase todas minhas. Agora, estou habitando a minha pele sem discordar das horas, sem querer a eternidade das coisas (im)possíveis, sem muitas neuras. Algumas nóias já me bastam. E é com o peito amuado e cheio de gratidão que enxergo sem muita luz que o sono é delicioso.O despertamento é coisa do tempo.



Karla Bardanza




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