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DEVE HAVER UM SEGREDO ENTERRADO NO MEU PEITO




Quando desenhastes uma estrela

Na palma de minha mão, eu senti

Teus dedos ferindo a minha alma.

Havia tanto silêncio nos meus olhos.


Quando pintastes a lua no bico do

Meu seio, eu senti o teu calado calor

Queimando a minha mais profunda

Pele. Havia tanta luz naquele quarto.


Toda a perfeição não cabe em minhas

Palavras. O sonho é sempre distante

Demais, a paz é sempre a melodia que

Fica quando não podemos escutar o

Que restou do nosso coração sem voz.


Deve haver um segredo enterrado no

Meu peito: manhãs de sol frio, flores

Abertas à beira de mim, folhas caídas

Aos meus pés, um lago cheio de magia,

Um país em que deixei a minha alma.


A neve ainda cobre metade do ontem.

A dor é branca. Meu jardim ainda chora

Cercado por poemas que escrevi quando

A vida ainda era a minha resposta. Já não

Sei quando comecei a morrer. Já não sei.



Karla Bardanza



























































POEMA ENTRE A ALMA E O CORAÇÃO


Os passos finos da chuva lá fora

Acendem o momento, refrescam a

Memória da pele enquanto eu

Desenho o teu rosto com os meus

Dedos imaginários, fazendo curvas

Profundas nos vãos inquietos do

Desejo. Pontes tão distantes separam

Tua alma do meu coração. Meus olhos

Sem luz lamentam a escuridão e a

Impossibilidade. Nada há, além disso,

Moldado pela argila e pelo não.


As folhas das árvores quedam plenas

De vida, gotas beijam os vidros da

Janela e o mar está indeciso como

Sempre. A paisagem abre o meu olhar.

Vejo tão pouco, ouço quase nada: as

Palavras já não podem me entender

Ou explicar. Descanso no sofá, percebo

O teto mais uma vez e todas as minhas

Imperfeições. Durmo nos meus próprios

Braços tão cansados da hora suave.


Karla Bardanza
















































ENQUANTO EU VIA O DURAN DURAN



Enquanto eu assistia o Simon Le Bon já quase beirando os cinquenta, cantando, chorei. Estava com 21 anos, novamente, perdida na Inglaterra com as asas abertas, voando com minhas amigas, cheia de planos que não deram certo. A vida me atropelou. Muita coisa se despedaçou. Bem, ainda estamos todas inteiras. Duas estão fora do país, duas continuam casadas, duas são professoras e todas nós estamos acima dos 40.
Às vezes, quero entender o que houve. No entanto, sei todas as respostas. Todas elas estão nos meus bolsos assim como a morte e a dor.

Por que será que temos que cortar as nossas próprias asas? Por que temos que arrancar as garras e pegar nossa pastinha de contas com as mãos sujas de sonhos e tristeza no final do mês? Ficamos tão hipócritas, mentimos tão bem, abrimos o jornal maquinalmente e sentamos escondidos do sol com os nossos óculos escuros, observando a mentira alheia com tanta gratidão. De vez em quando, pedimos desculpa sem sentir. Tudo é tão sem importância. A vida está nas fotos, nos sorrisos, naquele amor que parece que ficou para trás, mas que te acompanha na escuridão do quarto dia após dia e que deita contigo mesmo quando você está deitado/a com outro/a.

É, chorei vendo o Duran Duran que eu amo tanto. Olhei para frente. Não me reconheci quando vi minha própria imagem na tela. Acho que eu estava gritando Diretas Já. Alguma coisa deve ter valido a pena.






Karla Bardanza
















HÁ ALGO DE AMEAÇADOR NO SILÊNCIO



Faltou o verbo

Fazer-se palavra.

Esperei.

O som não ecoou.



Aquele silêncio ficou

Desenhado. Foi mais

Uma das suas artes

Abstratas.

Quando a alma espera,

O tempo, o imorredouro

Tempo suspira sentado

Em flores tranquilas.



Não há explicações para

O que não é dito, para o

Que fica preso no céu da

Boca. Pouco entendo de

Distâncias e gelo.

O que vale é sempre o

Grande calor do sol,

As lágrimas da lua,

A entrega maior.



A noite dissolve-se

Em estrelas, a grande

Magia sempre sou eu:

Já não espero mais.

Que a música dance

Com aquele momento

Sem palavras.

Escuto o amanhã.



Karla Bardanza
































































ABENÇOADO SAMHAIN



Abençoada noite

De escuro silêncio,

Sinto a semente

Respirar.

As leis estão suspensas:

A mágica está no ar.

Tudo dilue: o tempo

E o espaço estão calados,

O véu foi suspenso,

Os mistérios negros

Abrem-se. Admire,

Contemple enquanto

A vela queima na janela

E o incenso de menta

Está aceso. Renasça, apenas

Renasça.

Passado e presente, minha

Carne e memória, meu ano

Novo.

Que o sol chegue a 15¼ de

Escorpião: um novo ciclo

Acorda.

Saúdo-te água da vida.

Saúdo-te ventos da mudança,

Saúdo-te fogo acolhedor,

Saúdo-te semente no útero

Profundo da terra.

Que o círculo se abra

Em perfeito amor.




Karla Bardanza




























































À FRANCESA


Perto do crime perfeito,

Apenas o acordo de cavalheiros:

Fingimos tão bem. Digitais arrancam

Suspiros, possibilidades da tarde tensa:

Eu acordo teus olhos com tão pouco.



Ficamos distantes, amantes calados.

Ficamos tão perto, desejo e um pouco

De medo, apenas redenção.

(Meus seios caminham para tuas mãos)



Não há culpa, não há corpo,

Não há solução.

Do teu lado, percebo tudo de mim.

Respiro com a intensidade dos anjos

Decaídos, sou toda escuridão.

A madrugada eterna planta o melhor

Prazer.

(deus é liberal: o meu é)



Quando ficamos mudos,

O ar fala, as janelas também.

Palavras escorrem pelas paredes

E caem aos nossos pés.

Saio calmamente sem pisar

Em nenhuma delas:

O famoso eu te amo fica sempre

Lá te esperando.



Karla Bardanza
























































ANTES DE DORMIR


Antes de dormir,

As ilusões descem dos olhos

E escrevem tão pouco:

Vogais e consoantes do puro

Desespero gritam o escuro

De si mesmo.



Os cantos das mãos sujos,

As brincadeiras rastejantes,

O quase nada fabricado

Com alguma sofreguidão.



Antes de dormir,

Promessas que não amanhecem,

A culpa imortal do olhar insano,

A felicidade clandestina que

Não resiste à realidade.



Dentro da alma,

O estrago, o estilhaço,

Os pedaços quebrados do

Ontem, o saber exaustivo

Da mentira.



Antes de dormir,

A consciência de que

Isso e aquilo têm os dias contados.

O olhar esmagado pelo

O limite do desejo e o desespero

Do grande nada.

A pequena morte

E grande fatalidade do

Ser.



Antes de dormir,

Apenas o teto frio,

Apenas você.



Karla Bardanza


































































QUINZE MINUTOS

Estive pensando em meias-verdades

E nesse fino trato feito às escuras.

Certas coisas cansam, derretem, são

Bolhas de sabão. Sorrio com abissal

Sordidez enquanto um azul irônico

Despedaça aos meus pés com alguma

Honra e soberba fria. O ridículo quase

É sublime, é quase um rio em agonia.


Observo o inobservável, arrematando

Os fios do infinito, pescando calada

As palavras, os poemas, as atitudes.

E sempre alimento o insaciável réptil

Que dorme tranqüilo e sereno atrás,

Bem atrás de minha alma impura.


Ele nunca ataca se não for motivado.

Aguarda calmo, tranqüilo, manso,

Olhando com profunda paz a vítima

Que se faz de vítima, o santo caído

No chão, a sintaxe que sempre cochila.


Certas coisas são surreais.

Certas coisas são penosamente toscas.

Toda diplomacia barata morre em seus

Pobres quinze minutos de fama.


Karla Bardanza
























































SOBRE AVES E SALTOS


Quando as aves voam

Esquecidas, mentindo,

Perseguindo o roteiro

Quase vazio, tatuado

No vento, o mar respira

Cansado, a chuva sonha

Com o abismo suspenso

Entre o céu e o sol. Sim,

Lamento. O tempo é tão

Vulnerável, a cegueira

É um belo ensaio, é sal.

O alimento dos loucos

É sempre mais, é sempre

O que não se pode ver.

E tudo se vê, mesmo o

Que se pensa escondido.

Diversão maior é sempre

Acender palavras e deixar

Meus olhos vagos e quase

Desabitados deitar entre

As sombras e a magia.

Os vãos são sempre povoados

Por pensamentos.

Mas, eu, eu sinto tanto,

Sinto muito.

Não acalento prantos, não

Guardo o que se pode jogar

Fora: os planos dependem

Da hora, os vôos sempre são

Plenos e belos. Sempre caio

Para o alto, sempre me equilibro

Mesmo quando perco o salto.

As nuvens e as estrelas me calam.



Karla Bardanza