Seja bem-vindo. Hoje é

UMA MULHER QUASE ENCANTADA



A noite esqueceu-me sentada

No sofá enquanto eu ouvia

Todas as músicas que ainda

Falam comigo.



Havia tanta neblina naquela

Sala. Acho que havia uma

Menina e uma moça com

Flores nas mãos. Ambas

Estavam tão perto de mim.



Colhi sonhos dos olhos da

Moça. A menina era mais

Arredia e desconfiada, quase

Não falava nada. Seus olhos

Eram as lágrimas da lua, eram

Todas as palavras presas na

Garganta.



Convidei as duas para dançarem

Comigo. Os passos ainda eram

Aqueles que me faziam pisar

Nas nuvens. Dançamos de mãos

Dadas, comungando toda a

Beleza do desamparo e da alegria.



A menina escrevia poesia,

A moça tinha os olhos de sol.

Ouvimos o Duran Duran com

Tanta paixão. Não éramos três.

Ali havia apenas uma única pessoa:

Agora mais sonolenta, mais lenta,

Mais cansada.

Ali ainda havia uma mulher quase

Encantada.

Acho que ela mora dentro de mim.



Acordei com aquela mulher me

Olhando nos olhos, me falando

De possibilidades, me ensinando

A renascer, sussurrando:

O tempo é você.

O tempo é você.



Karla Bardanza



ESPERO POR MIM MESMA


Espero por mim mesma,

Arrumando as nuvens no

Céu cheio de preces e

Inquietações.



De perto, sou sombria.

De longe, sou divagação.

Estou apertada dentro

De minha alma e tropeço

Quase sempre nas vielas

Escuras do meu coração.



Todos os meus metros

Quadrados deveriam

Ser sagrados, deveriam

Caber na eternidade.

Algo aconteceu em mim.



Sozinha não consigo mais

Carregar o destino nos

Braços. Abro-lhe as pálpebras

Cansadas e ele nem mais

Pode me ver.

Será que ainda dá tempo

De aprender a ser feliz?



Karla Bardanza





POR DOIS SEGUNDOS MORREMOS



Por dois segundos,

eu morri.

Minha filha chorava

do meu lado enquanto

as palavras plainavam

no ar. Não respirei.

Não.Olhei para o teto

branco.Olhei o branco

ao redor.

Minha filha parecia só

e eu senti tudo e nada.

A única coisa que fiz

foi segurar a mão dela.

Acho que a minha alma

pulou pela janela.

_______________________



Hoje eu morri

junto com a minha filha.

E morremos mudas,

ouvindo apenas os nossos

corações assustados,

ouvindo apenas que estamos

juntas no ventre dessa dor

compartilhada.



__________________________



Amanhã não será outro dia.

Mas, esperamos que seja.

Mas, esperamos que seja.





Karla Bardanza




MALDITA ESPERANÇA


A esperança é sempre

violenta. Ataca a alma,

impõe o seu reino cego,

quase alimentando isso que

talvez seja verdade.



Mas, quantas mentiras

são necessárias para fabricar

uma verdade?



A esperança é uma paisagem

ingênua que apenas as ovelhas

podem ver, é uma deusa morta

em algum deserto entre a alma

e o coração.



De joelhos, abre-se as mãos

cheias de areia, pega-se a

navalha sentada na cama

e já em desespero mete nos

cabelos, deformando tudo

com a pressa absurda dos

que já não creem mais em

nada.



E a esperança onde está?

Morta?

A esperança nunca foi a

última a morrer.

Ela é a primeira a (nos)

matar quando nada mais

há.



E então, olha-se ao redor,

com a destruição guardada

nos bolsos, para enfim ver

onde a maldita esperança está.



- em lugar nenhum, em nenhum lugar-











Karla Bardanza






QUE SE CUMPRA



Para onde se deve voltar

Quando não há nada lá fora

E as cores estão cansadas

E pálidas?



Observo o meu túmulo

Vazio e sem cruz enquanto

O meu coração pagão não

Busca mais inquietações nem

Respostas.



Pois a manhã viúva não

Me guarda puta.

Minhas asas já caíram desde

Os seis anos de idade.

Minha santidade está

Onde os oceanos gritam

Ameaças.

Quem poder ouvir essas vozes

Roucas? Quem?



Pobres palavras mortas e loucas,

Escuto-as como quem acende uma

Vela ao diabo sem ranger os dentes.

E não há nada aqui dentro.

E não há nada lá na frente.



Apenas cometas que cruzam

O céu e não deixam saudade

Apenas esses olhos de fogo mal apagado

Desfiando sua liturgia fraca e muda.



Nesta hora absurda,

Convenço os deuses e eles chegam

Tão perto de mim para te conjurar

Ao abismo carinhoso e certo.



-Que se cumpra-



Olho todas as estrelas invertidas

Caindo do céu sem noite

E sinto tão plena de vida.



Karla Bardanza









ENQUANTO A NOITE TREME DENTRO DE MIM



Durma mais algumas horas,

Deitado em ponteiros cegos

Enquanto o vento torce as

Horas com graça e a noite

Treme dentro de mim.



O teatro não convida para

O próximo ato. Assisto

A fumaça, tragando da

Última fila. Não recomendo

Este espetáculo com atores

Desumanos e sonolentos.



Essa emoção da alvorada

Nunca me fez gozar.

O melhor prazer é saborear

O (uni)verso.



Des-canso.

Re-penso.

Estrelo outro céu.



Durmo mais feliz

Escrevendo

Um outro roteiro

No corpo.



Karla Bardanza

DES-CANSO


Algumas coisas cansam:

São bombas explodindo

Nas sombras impuras

E o ar quase não se pode

Definir. O peso é tão mais

Insuportável.

Respirar é possível?



A temporada da desrazão

Chega ao fim. Meus ombros

Curvados lamentam tudo

Que morre no vento.

Largo as malas pelo chão:

Liberto-me para andar

Mais rápido.

Nem olho para trás: olhar

Também cansa.



Perco de vista os detalhes

Levianos, as pequenas

Intraduzíveis mentiras

E pego o caminho sem

Atalhos e descalça.

Num ato falho, lembro

Das letras desbotadas

E, definitivamente, jogo

Fora todas aquelas (tuas)

Palavras inutéis e amassadas.



Karla Bardanza





PENSAMENTO


A irresistível eternidade

mora tão longe de meus olhos

sem calma.



Procuro-a entre

os livros guardados

no porão iluminado

pelas teias de aranha,

abarrotado de memórias que

atiram pedras aos meus pés.



Vasculho páginas,

desfaço entrelinhas

e em cada metáfora,

estou sozinha, buscando

palavras presas em teias

suspensas na imensidão.



Espero por mim.



Vigio os sonhos e os poemas.



Aguardo intranquila

o amanhã,

o eterno amanhã

que reparte o tempo.



Calo tudo por dentro

e escuto o vento gritar

um poema que ainda

não escrevi.



Respiro cansada,

cessam as minhas buscas.

Não há eternidade.



Não há respostas.

Apenas perguntas

dormindo preguiçosamente

nas linhas de meus poemas.



Apenas o meu nome

que ainda sinto dificuldade

de escrever.





Karla Bardanza