Seja bem-vindo. Hoje é

UMA ASPIRINA, POR FAVOR

 Odile de Schwilgué





Um copo d'água
e uma aspirina
enquanto aguardo
o destino na cama

Nem sou eu
aqui
apenas um pedaço
do meu corpo 

Abraço
meu ursinho de pelúcia
vermelho
e em estado fetal,
procuro pelo que
ainda falta chegar

Mas amanhã
vai ser igual a hoje
com uma noite
no meio e mais meia hora
de solidão

Entre 
um sol e outro
seca tudo.
seca o mundo
e o meu coração.

Fecho os olhos
enquanto
amasso os lençõis
com o peso do meu remorso

E
precisamente
às 6 horas
a minha dor de cabeça
já mudou de nome

É fome
de 
algo tão grande
que nem cabe
mesmo na vida



Karla Bardanza



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A PALAVRA INTERDITA

Thomas Caleb Goggans




Pegue a palavra
com a boca
e rasgue-a
até não sobrar mais
nada que caíba no poema.

Deixe-a nua,
essencial,
mas nunca perceptível
ao olho incauto,
ao olho superficial.

E quando
ela estiver em pedaços,
sangrando, injustiçada e infinita
(porque jaz
dentro de ti),
permita que ela
seja apenas uma única pergunta
ou resposta pronta para partir,
pronta para ser todo o teu silêncio
ou quem sabe a tua única voz.


Karla Bardanza






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TRIBUTO AO QUE SE GANHOU NA PERDA

Daria Palotti




quando fui musa,
o indizível era um espaço
por onde eu atravessava
o teu coração com formas brandas
de ser eu mesma.

e não foi fácil
abandonar-me às tuas palavras
- verdades esquisitas-
e não foi 
como nos compartilhamos,
como nos arranhamos
nos cacos dos adjetivos cegos.

quando fui apenas percepção,
algo repartiu o pensamento,
estragando as minhas mil imagens
suaves e discordantes
e o que restou,
restou apenas para
o poder esquivo do instante

__________________________________
Karla Bardanza 


Sinto falta da tua poesia.




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DE CORPO ABERTO

 Orley Ypon





 Se ainda houver perdão
no canto da boca,
se ainda houver...

Tão natural
é a mão estendida,
é a vida que abre
o orgulho 
sem julgamentos,
é a hora cheia de paciência
e esquecimento.

Faz tanta falta
essas coisas
que morrem
entre olhos,
no abismo do peito
sem transformação.

Se ainda houver energia,
se ainda houver,
me deixa chegar
perto desse silêncio
e desenhar uma ponte
entre os nossos pés sonhadores.

A gente não precisa
disso.
A gente nunca foi 
isso.

Não carece de me perdoar.
O erro é sempre de quem
entendeu menos.
Mas, preciso te dizer
que o tempo
nos ensina a perder
com graça e mansidão.


De qualquer forma,
forte é sempre
aquele que primeiro
retirou a faca enferrujada
dos fios que separam
a alma
do coração.


Karla Bardanza

Saímos pela vida perdendo as pessoas que amamos: 
pais, filhos, amigos, amantes, e etc
por orgulho e medo. 
Nunca é tarde para bater na porta e tentar novamente.
A vida é sempre aquilo que fazêmos dela.



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UMA PORCARIA DE POETA



 Steve Smulka



Poemas não vendem,
não cabem nas profundezas rasas
 dos jormais 
não combinam com o noticiário das oito
nem com coisas que diminuem 
a imensidão das metáforas
e a fragilidade amarga da língua.

Para uns, são apenas hieróglifos dormindo,
Para outros, a palavra pulsante
entre a veia femural e a aorta.

Quanto a mim,
não se engane nunca:
não sou apenas um poema,
sou a própria poesia torta.


Karla Bardanza









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FAZENDO A PORRA DA HISTÓRIA

 Luiz Gustavo Martins




Aqueles que podem, fazem, aqueles que não podem, ensinam.
George Bernard Shaw





Primeiro me disseram
que tudo ia ser lindo, mágico, sensacional
e eu acreditei.

Fui para a escola
e a Ditadura aniquilou
a ( minha) História.

Fui caminhando 
com as mãos vazias
e os olhos sem solução.
Fui fingindo
que poderia sobreviver
a todas as matérias criadas
para nos tornar melhores cidadãos:
OSPB,
EMC,
e finalmente,
EPB na faculdade.
Discutíamos e discutíamos
os mesmos problemas que ainda estão por aqui. 

Um dia,
sai às ruas com as amigas da faculdade,
pedindo Diretas Já.

Pensei que estava fazendo a História
e  que ela nunca iria me fazer.

Como não sabia fazer nada 
(ou podia)
de acordo com George Bernad Shaw,
resolvir ensinar:
estou ou sou professora

Dúvida atroz!

Continuo perguntando quem será
o cara.
Continuo achando que ainda não sei
quem sou, tampouco, a qual raça pertenço.

Sou uma coisa estranha,
esprimida entre o radicalismo
e a dúvida.

___________________________________________________

Um dia me disseram
que tudo ia mudar.
Quem mudou primeiro fui eu.
Fiquei responsável e prática,
chata e medrosa,
eu morri.
E o pior é que faço lavagem cerebral todo dia
em alguém para torná-lo melhor
como se eu pudesse fazer isso mesmo
pela nação, 
pelo bem comum.

Mas todo mundo
é apenas mais um.

Agora está tarde demais
para tirar essa máscara cínica
de mulher respeitável,
de pessoa idônea.

Se alguém puder se salvar disso,
salve-se já.
É chato demais ser lógico.
É chato demais ser gente grande.



Karla Bardanza



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OS CARDOS ROXOS DA ESCÓCIA

 Janet Rieck




Quando eu vir o pôr do sol em Islay mais uma vez,
vou fechar os olhos para namorar a saudade
e todos cardos roxos vão lembrar do que ainda é,
do que sempre foi.

A poesia inalcançável que era apenas tua
deitará junto a mim e eu,
e eu vou te falar das coisas 
que ficaram para trás antes mesmo
que pudéssemos escolher entre 
a vida e a morte.

E por um tempo quase eterno,
seremos infinitos
como as florestas no outono,
como as palavras que foram ditas
no escuro do ventre
porque sabemos que no fim está
o princípio do amor.

E por alguns segundos,
verás estrelas quebradas em meus olhos negros
e eu te direi que a distância é uma nuvem,
é um salmão sorrindo num rio de sonhos
entre o agora e o antes. 

E quando a noite chegar em Finlaggan,
 deixaremos nossas almas
à beira do céu para renascermos,
para brotarmos nos campos silenciosos
e floridos da Escócia
e a vida nunca mais,
nunca mais chorará por nós dois.




Karla Bardanza 




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TUA MULHERZINHA

 Piot Brehmer






Se tivermos tempo,
poderemos tentar.

Um pequeno perdão,
uma palavrinha certa no canto da boca,
os teus olhos acertando
o meu coração com coisas sem fim.

O passado se perde de mim
e eu acordo menos você todos os dias.
Corro tanto do que ainda me resta:
do começo sem início,
dos pés pisando o título de musa,
da tua voz  assombrada, me dizendo
que achava que eu era uma mulher difícil de agradar,
Foi doloroso cair do pedestal
e não saber como levantar.

Se tivermos tempo,
poderemos ser quem somos:
você me olhará com a profundidade necessária
para entender que determinados papéis
 nunca couberam
na minha vida de ônibus cheios
e bolsos furados.

Talvez ainda haja tempo
de você descobrir outras coisas
que não tive como falar.
Sempre fui melhor em atirar facas
do que com as palavras. 

Perdoe por eu ser simples
e falar alto.
Perdoe por eu ser comum
e vulgar demais.

 Se ainda tivermos tempo,
vou lamentar menos
não ter sido a donzela frágil
dos filmes que te fizeram chorar
e se tempo ainda me sobrar,
vou continuar ignorando os sapatos de salto alto
e as vendas que eram apenas tuas.

Não te dei a minha voz.
Cedi a vez para você completar os meus infinitos.
Apenas isso.

Se ainda tivermos tempo,
poderemos amar como gente grande
ama:
sem expectativas,
sem buracos no peito.


Karla Bardanza



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EU COM RAIVA DE MIM

 Isabelle Bryer





Conto o dinheiro,
as horas,
as vezes em que esqueci
de ser borboleta
porque ser lagarta era
quase mais fácil.

Escrevo para mim mesma
um improvável poema,
uma coisa lamentável
sobre uma existência
que não está condenada á liberdade.
( porque ser livre dói demais)

Fiz esta pequena escolha.
(Fiz?)
Eu já tinha esse rosto,
essa pele,
essas esquisitices
que quando não me imortalizam
por um minuto,
choram por mim.

Estou numa fase confessional,
assassinando a poesia
e convencendo-a de que
só faltam as rimas.
Estou lucidamente vendo
águas paradas e precipícios saudáveis.

Não direi que amanhã
vou acordar para uma outra promessa:
o sol continuará longe
e tudo será inviolável
como sempre foi,
inclusive a minha falta de respeito
pelos dias melhores.
Eles não virão
com o décimo-terceiro.

Minha agenda capitalista
acorda todo dia cansada,
lenta e desleal.

Amanhã vou contar
tudo novamente
e respirar aliviada
por algo que desconheço.

Não vou mais violentar
a esperança e fazê-la abrir
as pernas para mim.

Se alguém desconfia
que isso não é vida,
fique calado e letal.

Isso é por enquanto.
(Por enquanto sempre foi
uma conjunção subordinada demais
para relacionar as minhas orações)


Karla Bardanza




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DOS PERIGOS DA VONTADE DE SENTIR

 Felix Mas





Adivinhei isso.
Um corpo deitado em
minhas idéias loucas.
Minha boca caçando
palavras para te resumir.

Pausa bruta.
Olho de soslaio
a porta entreaberta,
entro rapidamente
para dentro de mim,
escapando muda mais uma vez.

Isso
incomoda a minha pele,
decresce os dias,
vira uma prosa absurda
nas costas de minhas mãos.

Isso
é o meu coração desarrumado
e repetitivo
dando sinal que está vivo
e torto.

_____________________________________

Entro e saiu disso
com uma classe estranha e fugidia
dentro da poesia improvável
do teu sexo. 

Já guardei os meus pecados,
já dei corda no relógio e
botei a vida para andar.

Não me divido mais
quando sinto o perigo
embaixo do meu umbigo.




Karla Bardanza


 
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CONTRADIÇÃO À MEIA-NOITE

Mauricio Fernández Gutiérrez




Não vou nem venho.
Sou um nada dentro de coisa nenhuma.
Sou quase um zero.
Sou quase uma.

Não sei e ninguém me sabe.
Sou um algo querendo ser um ex-tudo.
Espero bem pouco enquanto soco a vida 
com as minhas luvas de veludo

 Não entendo de grandes filosofias,
não tenho partido e nem amarras.
Estou condenada a ser livre
por detrás de meus muros e de vossas barras.



Karla Bardanza


 
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EMBAIXO DO CHUVEIRO

 Ricardo Fernández Ortega





Líquido escorrendo,
agonia agridoce,
fragilidade.

Isso arrebenta
 as nuvens e os céus,
desfia as palavras
uma a uma,
arranha as costas
das estrelas
até sobrar
quase nenhuma.

Cio e carência,
casa e cara distantes,
aparência.

Porém
Porém
Porém

Mal
Bem

Isso é do tamanho
do oceano
e cabe no útero dela
quando o corpo procura
abrigo no chuveiro frio e cego.

Isso eu nego.
Ela desmente.
Isso
você também sente.


Karla Bardanza


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POEMA BIO-LÓGICO

 Wendy Ng



Faz um ano
que eu pensei que você poderia 
 algemar as minhas ilusões de meia-idade
e vendar os meus desejos já cegos
na cama quase desforrada.

Ah! A doce violência de sentir,
a vontade de tudo!
Ah...

Não chamarei de erro
o quase sexo perfeito.
Certas palavras ficam melhor
guardadas à meia-luz.

Toda a ousadia
depois dos 40
deve ser abençoada.
Todas, inclusive aquelas
após a falência múltipla das possibilidades.

Vou te pensar quase assim.

Quando movo meus olhos inconsequentes
sobre os teus ainda azuis,
não lamento os egos arranhados,
nem a ereção nossa desperdiçada de cada dia. 

Eu até senti um pouquinho.

Como a gentileza gera gentileza,
vou encarar o passado
com perdão
e usar a minha bruta ternura
para afagar a fêmea em mim.

Sempre soube
que você não estava apto 
a domar as minhas borboletas.
e os meus feromônios.

Sempre soube
que a sua testosterona 
não ia dar conta de mim.



Karla Bardanza




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NOVEMBRO

Lynne Cerro





Aproximo-me com certa distância
do mês de novembro,
querendo coisas esquecidas
no fundo dos bolsos,
buscando a mim e em mim apenas salvação
e promessa.

Este corpo que está um ano
mais velho não está cansado
de viver ainda.
Está mais incompreendido,
mais trancado,
mais arisco.

Há vida após a vida.

Morri com minha filha em meus braços,
e nos braços de minha mãe,
Morri no colo de minha irmã
e com a minha sobrinha em meu colo.
Eu sou quase eu mesma
com um pouco mais de sal.

Novembro assusta-me.

O que é o porvir?

Aguardo os dias
com as mãos sobre o peito:
não quero que ninguém ouça
o barulho do meu coração
quando eu sou do tamanho de uma lágrima. 

Sento nas consoantes de novembro
caçando dias
com claros enigmas
e mansidão
porque a vida precisa
de ilusão também,
porque 
sou uma pastora de nuvens.



Karla Bardanza


Este poema é dedicado às mulheres de minha família.


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