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UM TANGO COM O AR



Mia Bergeron



Colocou Astor Piazzola no último volume e dançou um tango com o ar. As mãos acompanhavam o sofrimento da face, os pés procuravam um chão inexistente, o corpo era apenas algo sem nome. A música entrava forte pela boca do sonho, contaminando a alma já podre e vazia. Por quase três minutos, ela se sentia alguém novamente.

A vida alcançou a mente, empurrando as lembranças para o coração, desamarrotando os vincos, desalgemando a liberdade com rapidez: ela parecia muito mais do que era naquele momento, ela era o que jamais parecia.

Desabotoava a roupa enquanto dançava. Ficava nua, tão nua quanto poderia ser ou estar. Rodopiava com o seu imaginário par e o pensamento triste dançava como Discépolo dizia. Entrelaçada com o nada, ela roçava os pés na solidão, no vazio das sombras, seduzindo o tempo com a sua boca ainda vermelha e os olhos cansados do abismo.

Sentia tudo, sentia nada, pensava tudo, pensava nada. Quando os últimos acordes inundaram a noite sem estrelas, ela apenas fechou os olhos e, corajosamente, improvisou o último passo.


Karla Bardanza




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