Serena Potter
Acordo mas ainda
estou dormindo. Pego o ônibus tentando ler sempre o mesmo livro, olhando
pela janela de vez em quando apenas para ver se algo mudou além do
eterno nada. Desço no mesmo ponto, atravessando todas as ruas, toda a
falta de perspectiva que mata vagarosamente o que me mantinha viva e vou
seguindo sempre em frente para chegar no ponto de partida.
Estou
cansada de mim e dos pequenos vazios que moram na igualdade dos dias,
nas coisas mornas e frias que alimentam a minha fome triste. Se eu
soubesse como sair dessa cama de gato, talvez eu pudesse dar conta das
estrelas cadentes e de todos os pedidos que nunca fiz. Já nem sei quem
sou eu e se esta que esta aqui é mesmo eu ou se eu não sou mais eu.
Daqui para
frente, apenas uma única certeza. Isto não me deixa desolada. O que
esmaga o peito é o que não tem remédio porque remediado parece estar.
Quem disse que isso era um bem supremo? Onde foi que eu errei? Onde foi
que eu errei?Não sei se tenho tempo ainda para responder as minhas
eternas dúvidas. Há tantos desacertos, tantas palavras que sucumbiram
antes de mim. Não há muito mais para dizer depois que o efeito da
anestesia passar. A dor não cede a minha alforria e pequenas verdades.
O regime
ainda é escravocrata e a chibata tem endereço certo. Enquanto traço o
mesmo itinerário, apenas ela está mais perto, apenas ela vem na minha
direção. É triste esse silêncio que antecede tudo que um dia deixará de
ser.
Karla Bardanza
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