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MARIA ALICE

Quadro de Rafael Oblinski




Enquanto Liz Fraser cantava ao lado do Massive Attack, desejou. Olhou pro marido, careca e cabeludo nos lugares certos e apenas desejou. Não desejou um desejo pequeno mas, um daqueles que entram na gente e estacionam na pele, labendo as pernas de cima para baixo bem devagar, fazendo a gente chorar de fervor e desrespeito por tudo que aprendemos no lar, doce lar.

Engraçado mas não teve coragem de dizer nada. Ficou ali, olhando pra ele com aquilo comendo ela por dentro feito um bicho. Chegou mais perto só pra ver como ele dormia bonito. O sol quente batendo no rosto quase santo dele, as mãos com as unhas sujinhas, as pernas largadas como estivessem dançando um balé doente, a barriga denunciando todas as cervejas...e ela desejando o inominável com as mãos na boca feito criança raspando doce de uma panela.

A música entrava nela, acariciando seus ouvidos, acomodando estrelas no céu, enlouquecendo o corpo flácido, os seios murchos, os pelos, a pele amarela de tanto ficar em casa. Não se conteve e colocou a mão lá e ele no sono pesado da cerveja. Ai...se ele acordasse...se ele abrisse os olhos...a boca...se...
Colocou as duas mãos lá. Só queria ouvir ele dizer alguma coisa. Alguma coisa que fizess sentido e a tirasse daquela manhã quente e chata. Ele não se mexia.

Beijou lá, arrastando a língua, fazendo movimento estranhos e circulares, alisando com as duas mãos aquilo que ela queria só dela e que não era dela. Era de tanta gente. Olhou seus cabelos espalhados caindo sobre ele e nada pensou. Desejou até o desejo arrebentar e explodir em lavas e oceanos, em flores e vozes, em água e mel.

Foi ai que ele abriu os olhos e com a fúria mansa do bêbados gritou: "Porra, Maria Alice, sai de cima de mim, merda, e tira logo essa tua mão do meu coração!".


Karla Bardanza


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