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VONTADE DE MUNDO


Vazio, branco total,
minha musa saiu para beber
e está na maior ressaca.
Dor de cabeça,
gosto de guarda-chuva
na boca, vontade de voltar
a ser louca. vontade de mundo,
de tudo que soltas as amarras
e descarrila.Vontade de ser
filha e descansar a mãe.
Hoje meu Id está à tona
me afogando no inconsciente
coletivo.
Apesar dos fragmentos, das impossibilidades
e do dinheiro contado, sobrevivo.


Karla Bardanza






Copyright © 2011 Karla Bardanza Todos os direitos reservados

E NO PRINCÍPIO O VERBO NÃO SABIA ME CONJUGAR.


E no princípio
o verbo não sabia me conjugar
e o verbo não estava com nenhum deus
além daquele que enxergava 
tão pouco os agonizantes olhos meus.

O verbo não se fez atitude,
nem mansidão.
O verbo não me habitou,
nem foi corpo ou carne.
O verbo nunca, nunca me amou.

E no princípio
só encontrei o final,
a palavra rouca, a voz passiva
da acomodação.
O que não coube na glória,
morreu dentro do coração
e tudo que foi feito por intermédio dele
se desfez porque nada do que foi feito,
realmente se fez.



Karla Bardanza



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A FELICIDADE É UM BICHO ATRASADO


A felicidade anda me procurando
por ai.
Não sei como ela está vestida,
se veio salvar a minha vida
ou se tem celular.

Ando um tanto desprovida
de profundas emoções
e de molhos agridoces.
Alguma coisa me azedou.
distribuí meus cartões,
meus beijos e a minha receita 
de bolo de romã.

Estive de manhã com a sutileza
e até bati um papo cabeça
com o meu coração.
Creio que a Felicidade
se perdeu pelo caminho
ou deixou cair o meu endereço
no chão.
Devo dizer que já é ontem
para ela chegar.

Estou esperando
por um sinal, uma previsão,
uma intuição, um jogo de runas
ou quem sabe de Tarot.

Mandei avisar pra ela que
se a amargura chegar primeiro,
é com ela que eu vou.

A felicidade é um bicho
que vive atrasado mesmo.
Toda vez que aparece,
 a festa já acabou.



Karla Bardanza















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ASSIM É O QUE DEVE SER



As mãos tocam a eternidade: a pele é chaga, quente clamor. Esse homem, ela colocou no santuário das sombras com velas e incensos, com flores e lenços brancos. Paz apenas.

Quando ela se ajoelha e pede mais, os céus escutam aquela prece com as estrelas derramando mais do que luz, mais do que tudo que realmente é permitido pedir. Ela fez dele um santo, um deus, um algo impossível demais. Ele nada diz. Quando perde-se nos cabelos dela, pensa na noite escura, na escuridão que sorri, nas coisas que o fazem enorme, grandioso e espetacular.

Esse desejo veio engatinhado, fazendo manha, chorando por atenção: ele estendeu a delicadeza no chão e a deixou passar. Nunca entendeu todo aquele bem que ela sempre faz, nunca entendeu porque ele ancorou naquele sombrio cais tão feio, tão comido pelos ventos do desagravo.

O amor entre os dois aconteceu na contramão, num momento de derrapagem. Ela bateu de frente com ele e no entanto, foi ele quem saiu das ferragens. Ele não queria acordar com aquela mulher sem charme e salto alto, ele não buscou aqueles olhos repletos de nuvens e ocasos. Aconteceu entre um problema e outro. Aconteceu.

Ela olhava para sua barba e via mundos, matagais, coisas desejantes e desejosas. Ele era a grande chave para todos os mistérios atrás de Lilith. Ela aqueceu o caldeirão e jogou nele toda a magia que guardava dentro dos bolsos. Aconteceu.

Cítaras tocam, perfume de canela, incenso de almíscar, lençóis de mansidão, tapetes de cetim, jardim de delícias: o amor desconhece as leis da evolução, os planos traçados, os caminhos sem bifurcações. A estrada é de palavras, de livros e essências.

Ela ouve a poesia e guarda uma raposa nas linhas torturadas de seus sonhos. Ela ouve os balões, pinta poemas em suas metáforas e cozinha com leveza e manjericão. Quando ele chega, ela já está com a sua alma nas mãos e o beija com a boca de luar.

Ele cabe inteiro em seu universo surreal. Ele é a encarnação do prazer e da emoção. Com ela, mares e caravelas. Com ela, o assombro do medo.

Assim é o que deve ser. Assim é o amor que deita comigo e ama tão somente você.






Karla Bardanza


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LIÇÃO DE VÕO



Ela abre os braços e aprende com os pássaros a olhar os olhos vazados da liberdade: essa coisa distante demais de suas latitudes limitadas, de suas longitudes limitantes. Enquanto ela pastoreia nuvens, buscado fôlego e asas para ir além da cozinha, do sofá e da sala, a casa fecha as portas, as janelas fecham as cortinas, a cozinha traz o chicote, o marido pede uma cervejinha gelada, os filhos brigam mais uma vez. E ela que perdeu a voz na penúltima vez em que brigou por causa do futebol de domingo, começou a engolir sapos com mais rapidez desde então. Porém, foi de pássaros que sempre gostou. As gaivotas são as suas preferidas. Elas lhe cortejam, lhe amam, lhe assobram.

O barulho continua com os gritos dos filhos adolescentes. Fase mais indecente não há. Depois que eles vão para à escola, ela pode sonhar com mais delicadeza. O marido só sabe que ela respira nas horas das refeições. nunca fala de boca cheia, nunca come o suficiente. O que ela sente quando ele termina de comer e sai como se nunca tivesse entrado?

Todo dia ela desobserva as palavras da mãe, as coisas que aprendeu numa escola religiosa, os bons costumes ultrapassados da solidão e abre as mãos, buscando a linha do destino, querendo inaugurar a linha do desatino com uma certa urgência.

Ela acabou de colocar uma cadeira bem perto da janela da varanda. Agora, subiu nela descalça e está estranhamente batendo os braços como se fossem asas e olhando para um bando de passarinhos migrando. Creio que esta deve ser a sua última lição antes do primeiro vôo derradeiro.

Se ela voar, que a sua alma voe primeiro.



Karla Bardanza

Caro/a Leitor/a,
Se por acaso, eu não postar aqui é porque escrevi alguma prosa no meu blog Os Fios do Infinito

Gosto de prosas também. No entanto, procuro deixá-las no blog mencionado anteriormente. É lá que elas moram. Postei esta prosa hoje apenas para deixá-los/las ciente que eu sempre escrevo ou um poema ou uma prosa diariamente. Se não houver nada aqui, procure pelos Fios do Infinito




















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UM DENTRO DE DOIS



A boca rápida caça a outra,
esmagando o desejo com a
língua, afogando a saliva com
a vida, com a indelicadeza
do querer: enxergo a lua.

As mãos desfrutam o corpo,
amassam os pelos, entram
nos poros, semeando águas,
semeando pétalas abertas
para muito mais: sinto o sol.

Os cabelos embaraçam
junto com as palavras, teias
prendem o prazer na aura e
tudo fica tão iluminado.
O rito profano é tão sagrado.

Ninguém está mais ali, ninguém
sabe como dois pode ser um
quando um está dentro dos dois.
E naquele momento de cristal,
apenas as estrelas chegam bem,
bem depois.






Karla Bardanza
































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DIVAGANDO OUTRA VEZ QUANDO ESTOU SEM VOZ


Se houver essa estrada, se houver,
deve haver destino e direção.
Deve haver caminhos e ocasos
simples, delicadezas e palavras.
As mesmas palavras que tramam
quando o silêncio atrapalha
a garganta e a reza daquela
santa que ainda te faz ajoelhar.

Se houver isso tudo que os olhos
não conseguem ver, todo o céu
deve caber entre os meus seios
e todos os meus receios são apenas
músicas e acordes leves da dor.

Amor, perdoa se eu ainda me derramo
pelo decote, pelos atos que percebem
as minhas mãos e avanços.Eu não sou
dada à farsas e forças. Eu nem sou
mais moça e veja só, continuo a
perder o senso da moral e dos bons
costumes entre a tua pele e o meu desejo.

Deve have essa tal estrada, deve haver
um túnel também e uma luzinha fraca
lá no finalzinho dele que apenas um cego
sabe como enxergar.Quase nada vejo
mesmo quando estou de óculos: minha vista
cansada fala bem mais do que pode ver.
Ver requer habilidades que me faltam
na minha simplicidade emocionada.

Neste exato momento, está chovendo
apenas em mim.Estou nublada.
e eu nem semeei o vento para colher
essa tempestade toda.Meu tempo fechou
raios me partiram.Xi...O vento me levou...

Para onde mesmo? Para onde vou?
Se houver essa estrada, se houver,
deve haver destino e direção.
Se houver mesmo, não solta a minha mão.
Amor, o que é o amor nisso tudo?
Amor, por que você se meteu no fim
de mim e do mundo?


Karla Bardanza












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PERGUNTE AS MONTANHAS



Pergunte as montanhas
onde estão todas as árvores,
todas as flores, todas essa diferença
que se destrói na descrença nossa de cada dia,
apenas para plantar esse negócio chamado de progresso.

Os céus estão arranhados
pelos arranha-céus, estrelas estão despedaçadas
no fundo do mar sujo de desespero, rios correm
afogados: nada respira além do inútil erro.

Gelos pingam,partem-se,perdem-se.
Seres morrem nos braços abertos de Ceres.
Qual o sentido do insentido?
Por que precisamos morrer o que está vivo?
Por que deixar a vida viver de morte é compulsivo?




Karla Bardanza














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ACHE O CAMINHO PARA MIM


Ache o caminho
para mim.
Busque-o nas minhas encruzilhadas
ou nas cavernas cheias
de eco.
Enfeite a parede nublada,
faça Vênus entrar em conjunção
com Marte.
Faça a sua parte
na minha história cansada de lacunas
e respostas atrasadas.

Traga o céu
para morar lá em casa
e costure um par de asas nas minhas costas.
Faça essas coisas vadias,
vazias e tolas para me agradar.

Já não sei
o que é isto aqui dentro.
Já não sei
o que pode me libertar do tempo
e do meu terremoto particular.

Ache a saída,
a janela de incêndio,
a minha face escondida.

Por favor,
ache a minha vida.




Karla Bardanza










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A VIDA SEM ADJETIVOS

O silêncio empresta ao corpo
o momento em branco
como se todas as metáforas
explicassem a vida,
vergando o corpo
diante do sacrifício.

A luz apaga os sonhos
na cama larga:
tudo está pleno
e vazio de sentido.
Escuta-se o nada
imperfeito, a sinfonia
nos acordes da dor
As paredes sofrem
com calma.
 
Isso não é saudade.
Isso não é angústia.
É algo enorme,
algo maior que devora,
engole e ainda assim
não contém o que a pele
derrama, o que o corpo
implora e reclama.

E quando a hora sucumbe
ao que não pode ser entendido,
a alma fica tão mais pesada
para carregar.

Essa lacuna permanece
assustada, impossível
e quando o corpo
sai da letargia,
a vida está muito
mais pobre,
muito mais
sem adjetivos
ou possibilidades.



Karla Bardanza













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BONECA DESCABELADA


Quando chega sexta-feira,
ela procura pelo ar
que já falta
e cai na cama
já morta, dormindo
sem dormir,
sonhando sem sonhar.

A vida morre no relógio,
nos ponteiros malcriados,
nos ônibus eternamente
parados na Avenida Brasil.

Ela já está acostumada
as migalhas que a vida traz.
Paz apenas aos domingos
entre um intervalo e outro
quando estende a roupa na
corda rôta dos acontecimentos
que desacontecem.

Às vezes, ela se pergunta
quando algo vai mudar.
Mas, não espera mais por
milagres de última hora.

Quando apaga a luz do quarto
já bem tarde, uma coisa arde.
A vida vai embora.

Diante das evidências,
vira de lado,
sofre sem exatidão.

No dia seguinte
quando tem um tempinho,
lê o horóscopo e perde-se
nas linhas apagadas
de sua própria mão.

Todo dia ela reinventa
a sua mentira feliz,
dando ao a mundo
a sua melhor performance,
sendo uma boneca descabelada
ou talvez uma pobre atriz.



Karla Bardanza











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MENINA INTERROMPIDA

Do nada, sei tudo
ou talvez quase tudo.
Sou especialista
em entender coisas
não explicadas
ou desimportantes.
Falo a língua da árvores,
seguro o vento com as mãos,
canto a música da alma.
Sou uma encantadora de joaninhas:
nunca estou só mesmo sozinha.

Guardo teias de aranhas
e flores secas dentro dos livros.
Coleciono desastres e ocasos,
palavras não ditas e amores inacabados.
Nunca sei o que é pecado
ou se existe pecado abaixo da linha
profana do Equador.
Eu daria uma atriz e tanto
numa história de amor.
O problema é sempre achar o mocinho
e ter um final feliz.

Ainda não sei muito bem
como caçar estrelas
ou falar com as pedras.
Mas, tenho certeza que elas
sempre me escutam.
Preciso conhecer
esse alfabeto de letras invisíveis
que apenas o coração domina.

Eu sou uma menina interrompida
pelas nuvens e pela vida.
Faço limonada quando tudo esta amargo,
largo as pessoas sem voz
para trás
e busco a simplicidade das heras
que enraizam com graça aqui
e ali. A delicadeza das avencas
é algo que me intriga também.

No final das contas,
eu sou zen:
zen dinheiro,
zen berço,
zen verniz.
Não vejo problema algum
em ser essa mistura
que não tem país.

Amanhã vou acordar
mais cedo e ensaiar
com as ondas do mar
a minha próxima fala.
Depois, vou trabalhar.
Nestas horas em que sou
apenas uma escrava do sistema,
minha singularidade sempre se cala.


Karla Bardanza




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O DOM DE OLHAR



Ele é um bicho solto,
um animal voraz
alucinado
e
alucinante.

Ela é uma coisa,
um algo que ele pressente
e quer longe.
Ela é o que ele sente
e machuca por ser febre
ou doença.

Procurou sair quando
ela entrava.
Mentir quando
ela falava,
evitar o que era perigo.

Quando ele senta
no sofá da sala branca
e olha para as poltronas vazias,
pega a cerveja
e bebe um pouco mais.

Olha a agenda
com a sua lista de abate
e procura sempre
o que é fácil de devorar
e cuspir.

Quando volta à noite,
já não pensa mais em nada.
Dorme no chão mesmo,
todo largado.

Por que será
que apenas ela tem esse dom
de olhar
para dentro da alma dele
e fazê-lo sentir-se tão sagrado?







Karla Bardanza













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CONFISSÃO EM AGOSTO

Já errei tanto na vida
que já não dá nem mais
tempo de me arrepender.

Já cai dentro de abismos
enormes, vastos, castos:
quedas tão mortais,
arranhões,feridas,
noites loucas,
coisas poucas
e casuais.

Já me afoguei em sonhos
paralelos, em tantos hemisférios,
com casos tontos e sérios.
Já bebi de todos os cálices,
inclusive aqueles que achei
que  nunca beberia.

Já,já e já
também.

Do que sei,
nada é mal,
nada é bem.

Não sei se aprendi,
se entendi,
se melhorei
ou piorei.

Essa aqui sou eu:
errada, certa,
perdi um pouco de mim
por ai,
sofri tanto que cheguei
a pensar que não ia sair nunca
mais da cama, do quarto,
do escuro, da dor,
da lama, da doença,
da morte, da falta
de tudo.
Lá no fundo,
vi o mundo.

Foram tantos erros
que não preciso mais errar.
Agora, me dou o direito
de pelo ao menos tentar acertar,
nem que seja de vez em quando.

Não preciso que ninguém
me entenda, 
não preciso olhar para trás
e me culpar novamente.

Sou diferente, esquisita,
isso, aquilo,
sou o que sou
e isso é um tremendo cliché.

Agora, dou um passo de cada vez.
Agora, antes de falar, ouço
a voz da minha alma.
Tomei tenência?
Sei lá.

Aprendi apenas
que vale a pena
sempre amar.
É isso que vou levar quando
estiver em outra dimensão.
É isso que plantei no coração
da minha filha.

Ainda bem,
que apesar dos desencantos,
das decepções, dos medos,
das manhãs sem sol,
do frio que apenas eu sinto,
consegui chegar lá.
Lá perto dos Deuses,
lá perto do amor
e me ajoelhar com fé
diante da vida.
Ainda bem que consegui
esquecer e perdoar.

Como dizia o meu tio
o que vier daqui pra frente
é lucro.


Karla Bardanza









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O SAPO INDIGNO E SONHADOR E A ESTRELA


Quando o amor existe
pelo lado do avesso
é tão triste.
 
Palavras são escolhidas
com tanto cuidado e receio,
coisas e vontades dormem em 
profundezas eternas
entre os seios.

Há tanto
naquilo que insiste
em ser
e nunca é.
E o que se vê
está cada vez
mais fora
de alcance, mais calmo
e assustador.

Assim é o amor
que nada mais espera
e espreita a estrela
como se fosse um sapo
indigno e sonhador.
 
Todo o desespero
amansa, tudo silencia
com delicadeza
e o que resta no olhar
é apenas piedade
de si mesmo
por ver a estrela
lá no céu e nunca,
nunca conseguir
alcançá-la.

Então,
os olhos vão morrendo
lentamente junto
com o que se cala,
junto com o que se sente.


 
 
 
Karla Bardanza










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POEMA À LA MESTRE MÁRIO QUINTANA

 Se me amas,
não me ames baixinho.
Esse negócio de silêncio,
incomoda tanto a mim 
quanto
aos passarinhos.



Karla Bardanza




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