Seja bem-vindo. Hoje é

ESPERANÇA E FÉ

Quadro de Lula Mari





Quando eu abrir a janela amanhã
e o céu sussurrar coisas que apenas
os meus ouvidos surdos podem ouvir,
vou pedir mais uns instantes apenas
para lembrar do que me encheu
de eternidades este ano.

Vou olhar para os meus confins
e ver Brunna na pontas dos pés,
dançamdo suavemente, vou sentir
os beijos de Yasmim acordando
o meu coração dorminhoco,
vou ver minha mãe chorando
comigo e a minha irmã do meu lado
no hospital.

E ficarei agradecida,
cheia de paz e vida
porque estou aqui ainda,
porque quem amo está aqui também,
porque mesmo distante ainda quero
o teu bem.

O calendário muda,
os caminhos abrem e fecham,
a estrada continua
e eu sigo, carregando apenas
o necessário para o ano que vem:
esperança e fé.

Todo o resto que seja 
como o meu Deus quiser.
Todo o resto que me faça
mais forte, mais leve e mais mulher.



Karla Bardanza





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ORIGAMI

Quadro de Ma Dong Min



Ela dobrou o papel amarelo, fazendo vincos.
Depois dobrou de novo
e de novo, recapturando pacientemente
mil crianças fugitivas enquanto 
a criatividade acordava suas mãos
já sem esperança,
já sem rumo,
já sem.

Quando o papel virou um pássaro,
foi ela quem voou,
livre,
finalmente livre.



Karla Bardanza


O Origami possui várias vantagens terapeuticas e é uma técnica usada para ajudar
pacientes com problemas psicológicos tais como ansiedade, tendências suicidas, depressão, baixa auto-estima e etc. Além disso, o Origami, ajuda a desenvolver nossa capacidade de autoexpressão, a integração social, exercitando e aumentanto a nossa concentração, pois enquanto as mãos se movimentam ativam os dois lados do cérebro.
Outros benefícios do Origami são: desenvolvimento da inteligência espacial, atenção, paciência, memória e imaginação.



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A LISTA DE DESEJOS

 Quadro de Delphin Enjolras



Abriu a caixa com as mãos cheias de fogo, esquecendo o mofo e as teias de aranha. Podia dividir o momento com tudo e todos sem problema. Não sabia muito bem o que iria encontrar ali, além do passado e dos cadernos de flores de sua mãe. Estava disposta a saltar no infinito e (re)descobrir aquela mulher tão ocupada, tão distante, tão nervosa. Tinha vocação para essas coisas, para procurar fatos, fotos, palavras escondidas, papéis dormindo nas gavetas, porém nunca tinha se aventurado nos cadernos secretos de sua mãe. Ela não gostava que ninguém chegasse perto deles. Lê-los agora era quase uma heresia.

Passou a mão na capa do de rosas amarelas, tirando o grosso da poeira e depois, assoprou o restinho que ficou. Recostou-se num canto com uma réstia de luz e começou a ler todas as verdades de sua mãe, todos os anseios, todas as angústias e vontades. Quando terminou, pegou o de capa de margarida: havia um mundo de sua mãe que nem poderia imaginar. A mãe sonhava também. A mãe era feita de flores, de delicadezas não anunciadas, de metáforas que a deixavam extasiada. A mãe era uma terra nunca entendida ou explorada. A mãe era diferente. A mãe era um pedaço de um jardim.

Meteu a mão na caixa de novo e de novo até ter lido todos eles. Tinha agora as mais variadas flores em volta dela, as mais belas pétalas em suas mãos. Tinha também uma nova mãe. Uma mulher doce que não tinha conhecido por falta de tempo ou talvez, porque sempre a via correndo de um lado para o outro, trabalhando, contando o dinheiro no final do mês, andando para lá e para cá sempre séria, sempre dentro dela mesma, sempre falando menos do que deveria ou poderia.

Ficou imaginado como a vida poderia ter sido diferente. Ficou relembrando as vezes que viu a mãe escrevendo nos cadernos de capa com flores. Nunca quis ler aquelas folhas até aquele momento. Talvez tivesse medo de encontrar as fragilidades daquela mulher. Sentiu-se tão doloridamente pequena diante da imensidão de sua mãe. Sentiu-se tão desesperadamente só. Abraçou todos os cadernos e chorou, chamando pela mãe baixinho, bem baixinho.

"Mãe, mãe, mãe..."

O que mais doeu foi a última página de todos aqueles cadernos. Foi ali que entendeu mais os olhos de sua mãe, a dor de sua mãe. Ali estava a lista de desejos de final de ano dela. Estranhamente, a lista repetia-se em todos os cadernos. Os mesmos dez desejos estavam lá ano após ano porque de alguma forma, ela não tinha conseguido realizá-los. Na verdade, os dez desejos limitavam-se a dois que eram repetidos: um desejo era o mesmo do número um ao cinco e o outro repetia-se do número seis ao dez.

Ela leu e releu os desejos maiores de sua mãe: "ser feliz" e "ser uma boa mãe'. E sofreu mais porque ela não tinha sido feliz. Nunca havia percebido a infelicidade nos silêncios dela, nem as poucas vezes que a viu chorar. E agora, aquela verdade silenciosa estava diante dela. Sua mãe nunca foi feliz. Por que será que não havia sido feliz? A vida? A solidão?Não tinha respostas para esta pergunta, apenas para a outra.

"Mãe, você foi maravilhosa." pensou cheia de gratidão, cheia de um sentimento que transbordava e enchia o porão de claridades inesperadas.

Começou a guardar os cadernos um a um com o corpo triste, com o peito ardendo e foi ai que o destino lhe falou o seu desejo: uma folha rasgada caiu repentinamente de dentro de uma das capas floridas. Nela havia a seguinte frase escrita com aquela letra perfeita e redonda de sua mãe:

"Filha, eu te amo. Seja feliz. Sua mãe. 30/12/1988"

Ela começou a ser então.



Karla Bardanza




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DEVERÍAMOS TER PERGUNTADO AO VENTO QUANTO TEMPO TERÍAMOS QUE ANDAR DE MÃOS DADAS



Quadro de Mia Araujo




Deveríamos ter perguntado ao vento
quanto tempo teríamos que andar
de mãos dadas.
Deveríamos pelo ao menos ter dado 
apenas uma única chance aos nossos corpos.
Esquecemos de tudo:
 de falar com as montanhas sobre as folhas
e de contar todas as pétalas dos crisântemos.
Esquecemos de tentar o impossível.

Não lembrar da tua voz é
um tenso exercício:
coloco as mãos na cabeça, fecho
os olhos e tento não ouvir o teu coração
gritando ainda dentro em mim,
e tento não me multiplicar
nem me dividir.

Mas não há mais como atingir o céu com mãos
sem subtrair a dor das horas.

O processo de tirar o esparadrapo
do corte deve ser calmo e lento.
Sento para ver se está tudo bem
ou se o passado já foi embora.
Divago...


(O tempo não cura,
não é alento.
A gente se acostuma com o machucado,
com a pele esfolada, com a dor reincidente,
nos convencendo que seguimos em frente.
A gente se acostuma com a perda
pensando que dias melhores virão.
Eles demoram a chegar
porque não temos o amor,
mas ele nos tem nas mãos.)

Deveríamos nos ter dado a chance
de encontrar um no outro
sem expectativas, sem eternidades,
sem querer muito,
sem querer mais,
sem querer nada,
nem mesmo a paz.




Karla Bardanza




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NO ANO QUE VEM

Quadro de Lucio Frizzotti




Tudo pode esperar:
estou sentada,
admirando o ar, os vôos,
os vãos.
Isso é uma fase de transição
e o vazio desdobra o infinito
em momentos que me possuem.

Ouço músicas
que me tocam a mais profunda
pele. Um algo me aproxima mais
do ano que vem.
Ah! É assustador essa coisa
de contabilizar os fracassos,
de pensar o hoje já como ontem
e achar que todas as respostas estarão
guardadas nas gavetas do amanhã.

Hoje ainda é hoje.
Hoje estou ainda aqui.
Não vou fazer planos,
nem colocar a minha alma para
alcançar o que está muito além do jardim.
Nada está escrito.
O que sinto é imensidão,
é a calma de quem aprecia a mais
nova paisagem.

Quando o novo ano chegar,
não vou dar tapinhas nas costas dele
como se já o conhecesse.
Nada disso.
Vou é olhar bem dentro dos olhos
de céu dele e procurar
os meus carneirinhos e as minhas joaninhas.
Quero ficar com vontade
de ser criança de novo
só para lembrar que vale a pena
ser feliz.
Isso é a única coisa que não
precisa de explicação na vida
porque a gente precisa de uma coragem
danada para encontrar a felicidade
e tentar tudo de novo mais uma vez:
agora, amanhã, no ano que vem.




Karla Bardanza








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QUE O AMOR TE SALVE

 Quadro de Leonid Afremov




Tira ai a roupa da alma
e deixa as palavras falarem
essas coisas que parecem uma extrema-unção.
Pega o teu coração-cofrinho
e coloca ele de cabeça pra baixo:
deixa cair tudo que tem dentro,
especialmente aquelas que precisam
de espaço para expandir.
Não tenha medo de se danar
sozinho. Tenha medo do silêncio
que envergonha até a própria covardia.

A vida está cheia de belezas
desavergonhadas, delicadezas paridas,
reticências que suspiram de amor.
A vida dói a dor necessária
pra gente crescer.
O meu tempo é estranhamente
diferente do teu.
Acho que eu tenho muito que 
melhorar ainda.
Faltam descobertas, mais erros,
uma pitada de sal e um pouco de tempero
daquele tipo que faz o corpo
ter cheiro de canela
e camomila.

Vai, senta ai nas almofadas,
encosta a cabeça nas nuvens
e sonhe com os quilometros
que são apenas teus nesta caminhada.
Tudo é devoção.
 Tudo é energia.
Solta as amarras do cais:
nem tudo que parece seguro,
realmente está.
Se você continuar assim
sempre em linha reta,
como vai encontrar as curvas do destino?

Não pensa não!
Pensar faz mal e intoxica.
O melhor é sentir
por isso quero ficar curada
de ser gente grande:
isso é um segredo meu com a Adélia.
Aprendi muito lendo poemas.
Sabe, nunca é difícil achar
uma razão para seguir
mesmo quando a única via
para Vênus está engarrafada de estrelas.
Eu não tenho muito para te desejar.
Quero apenas que o amor te salve
das alegrias miúdas,
da falta de fé absurda,
da letargia do medo,
da falta de poesia.

Hoje, não é apenas mais um dia.
Hoje você está acontecendo:
aconteça no desalento,
no desespero,
nas tuas fraquezas.
Saia de dentro de si mesmo
para ser apenas você.

Os Deuses não te perdem de vista.
Se você não acredita neles todos,
acredite em um apenas.
Mas acredite.
Uma vida sem mistérios é tão triste.

Tire a roupa.
Nus ficamos mais leves,
mais breves.
Não é perigoso ter esperanças.
Perigo é não se lembrar mais
de como se abre a porta da vida
e se anda sem os pés.





Karla Bardanza















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DIAS CHEIOS DE CÉU

 Quadro de Csaba Markus




Já não espero
porque esperar dói,
rasga e arranha.
Nossas horas estão erradas
e eu não quero muito,
nem nada que eu não possa ter.

Decidi que os dias
ficarão mais cheios de céu
e as noites serão apenas
pedaços de amanhã.

Não vou me culpar
por ser como sou
nem me sentir menos
do que sou.
Cada um tem o seu momento,
o seu tempo,
a sua vontade de ver.


Não vou pedir nada para a vida:
apenas que me leve até o fim
mesmo quando já
não sobrar
nem essa dor mais em mim.



Karla Bardanza




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PARA ANOUSHKA

Quadro de Raja Ravi Varma



 Vou além dos mapas,
procurando a língua do ser
quando ela tira acordes do céu,
curando-me, acordando as ondas,
escrevendo novas palavras para 
os meus ouvidos.

Minha longitude pessoal muda,
descansando entre os dedos dela:
estou seguindo a frequência do campo
eletromagnético da Terra,
indo para onde procuro direções.

Ela deixa impressões que expandem
e suspiram a poesia escrita nas pétalas
da Flor de Lótus,
Não tenho mais corpo, mente, ego.
Eu sou única e sou o todo
respirando embaixo d'água,
respirando devagar, devagar.

Respirando junto com Anoushka,
sentindo o deus e a deusa abraçados
no som primordial.



Karla Bardanza


Este poema é um tributo à Anoushka Shankar. Sua música me cura.







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DE OLHOS ABERTOS PARA DENTRO

Quadro de Jared Joslin




Estes dois infinitos
onde me deito
guardam mistérios.
Preciso esvaziar-me de mim
para ouví~los.

Acaricio o Kanthi
em meu pescoço
e de olhos abertos
para dentro:
sou o nada
que tudo contém,
sou o tudo
que nada contém.

Preciso reconciliar-me
com as minhas dualidades
e entender a busca.
Coisas delicadas
esperam-me.

Não penso:
meu mundo não é cartesiano.
Existir é estar dentro
da pré e da pós-eternidade.
Ouço as ondas reverberando,
ligando o cosmos e o caos:
mansidão.

A vida é um suspiro.
Sinto, apenas sinto
o que não está nas minhas mãos
e nem perto do meu entendimento
e ainda assim,
domino o que me domina
no sono do tempo.



Karla Bardanza


Kanthi é um colar feito de pequenas contas sagradas da madeira Tulasi. Segundo as Escrituras Védicas, esse colar traz proteção espiritual a quem o usa. Kanthi é um colar que identifica quem segue a filosofia Hare Krishna. Porém, seu uso é aconselhável a todos.






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QUANDO VOCÊ SE LEMBRAR

 Quadro de Janet A. Cook



Quando você se lembrar,
lembre apenas das coisas boas,
das canções que cantamos juntos,
dos instantes que os nossos olhos
se tocavam e dissolviam a noite.

Quando você se lembrar,
lembre apenas de como tudo isso
poderia ter dado certo
se o outro nome do amor
pudesse ser entrega.

Quando você se lembrar,
lembre sem medo,
sem a tua insólita confusão
e covardia.

Quando você se lembrar,
lembre que separados
somos palavras tontas
e juntos, toda a poesia.



Karla Bardanza







A que não deu tempo de cantar.
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APRENDIZADO

Quadro de Stanislaw Krupp



 Olhou a mão procurando lentamente por todas as linhas. Sempre acreditara que a dela não tinha a linha do amor ou se tivesse, era imperceptível. Ficou ali, desenhando o futuro com os dedos: esse menino cheio de armadilhas. Enquanto tentava achar o que já desconhecia, o relógio marcava a vida escoando livremente, as coisas fugidias da alma, o todo sem volta.

Sentia-se quase só se não fosse a televisão berrando, a família ao redor, os gatos no sofá. Sentia-se quase coisa se não ainda reconhecesse a mulher em si mesma. Já não queria muito da vida: apenas viver. Os sonhos ficaram para trás dando lugar a nobre segurança. Não fazia mais planos porque sobreviver já era em si mesmo um grande plano. Quando sente com intensidade é porque se pergunta onde está aquela moça de grandes olhos tristes e mente nas estrelas. Quando sente, chora. Engana-se dizendo que é por conta da idade Mas não é apenas isso.

Quando ela acordar amanhã, estará um dia mais velha e mais longe de realizar-se. Não sofre mais por isso também. Aprendeu a contentar-se com o que tem. Ela não tem mais esperanças, nem ideais dentro dela ou qualquer coisa maior. Porém, ainda assim, ela tem quase tudo porque tem fome de mundo, porque ainda consegue sentar e procurar em si mesma o que nunca achou fora.



Karla Bardanza





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COM AS PERNAS ABERTAS

 Quadro de Fidel Garcia





Sou uma pessoa mal acostumada
e dada a levantar logo que caio.
Olho os joelhos ralados,
assopro o machucado
e saio andando
como se nada
( nada mesmo)
tivesse acontecido.

Sou um ser interrompido:
aconteço sem entender.

E não me importa
se os meus adjetivos
tem vida própria.
Geralmente, eles acordam
antes de mim.
Gosto de dormir até tarde
- quando posso-

Não me preocupa
quem não consegue me ver
do tamanho que eu sou.
Não se engane
com a minha altura.
Sou bem maior de perto,
de peito aberto,
com as mãos para o alto
chamando os Deuses.

É quase impossível
ler as linhas da minha mão:
alguém bem que tentou
mas o meu destino
não cabe apenas no que
a minha pele diz.

Eu não quero saber
de frases curtas, silêncios inadequados,
coisas que não fluem:
o desejo ainda é o meu país.

Estou muito cansada
das minhas inutlidades
e esperançãs vãs.
Hoje de noite,
vou fazer o meu amanhã.

Vou descalça,
sem calça
ou nada que me prenda.
Vou com sede de infinito
igualzinha a Florbela
por entre as flores amarelas
da magia.

E tudo que não couber
lá, vai caber na poesia.
Deixarei um pouco mais
para os momentos finais
e se eu ainda me surpreender
comigo mesma
é sinal que transcendi,
excedi,
que fiquei por cima
ou talvez por baixo.

Estou estado de em puro orgasmo
na vida.
Nunca consigo me despedir
do meu gozo,
nem fechar as pernas das emoções.



Karla Bardanza







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NUDEZ

Quadro de John Smyth




O que mais me dói
não é isso aqui
que não ouso chamar pelo nome.

O que mais me dói
é perder as palavras,
é a poesia que some,
deixando-me tão mais vazia,
tão mais fraca,
tão mais só
sem você.

E eu que soletrei
as tuas letras com tanta certeza,
sinto como dói a delicadeza
do que ainda está aqui.

Sinto que estou nua
mesmo vestida de ti.


Karla Bardanza



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SABORES OU SABERES ARTIFICIAIS?

Quadro de Peter Oostzanen




Então é assim:
você não pode se comprometer:
é tão assustador!
(será isto o outro nome do amor?)
Você é de você.

Que elegante forma
de dizer o indizível,
de achar nada no
que já está ficando quase invisível.

Então é assim:
começamos pelo fim,
inventamos palavras,
viramos as mesas muito antes
de apreciarmos o show, a boa refeição
ou mesmo a vida.

Então que seja assim:
que cada um lamba
a sua ferida,
que cada um guarde
a confusão dentro,
que cada um ache o seu centro,
a sua pseudo paz.

Então que assim seja:
para provar pouco,
melhor nem provar mais.



Karla Bardanza






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(DES)ESPERA(NÇA)

Quadro de Dai Ping Ju




Se espero,
espero calada,
bordando o esquecmento
com suavidade e calma.
(Algumas coisas precisam de silêncio)

Estou numa fase
de estranhamento e mansidão.
As emoções não tem voz,
as necessidades são restritas
ao que penso.
Quase não divido
porque sofrer depois 
é sempre uma dor incomum.

Nada na minha vida
foi apenas mais um,
apenas mais uma.
Sempre vivi às margens
do tudo ou nada.
É com imensa deseperança
que caminho pelas alamedas agora,
sem querer nada das horas,
nem mesmo as respostas:
tenho medo que possam ser dolorosas demais.

Por que deixei a paz fugir de mim?
Por que nunca sei
se estou no fim do início ou no início do fim?



Karla Bardanza



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VOULEZ-VOUS COUCHER AVEC MOI (CE SOIR)?

 Quadro de Ostad Mahmoud Farshchian




Abra a porta:
cheguei para ficar.
Providencie as palavras certas
e todas as coisas que tenho medo
porque estou ocupada em me defender
de mim e de você.

Não se esqueça dos detalhes
principais, da pimenta
e da doçura.
Estou com tanto medo
de tirar a minha roupa,
das sombras ameaçadoras,
do início.

E se houver tempo
entre todas as noites
e os dias que ainda virão,
continue segurando a minha mão
e me permita morar de graça
nos teus belos olhos azuis
enquanto me olhas sério
e aprendemos a namorar
como gente grande.




Karla Bardanza






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CRIATURAS DE PRAZER

Quadro de Abdalieva Akzhan



Preparo o espaço
para a explosão.
Lentamente o fogo se alastra,
queimando as extremidades,
alargando a noite,
(des)construíndo:
somos criaturas de prazer.

Tudo derrete
diante das chamas:
palavras, olhares, coisas nossas.
O mundo cabe dentro das horas,
que ficam observando
o inominável.

E nos breves instantes
entre o vento e as árvores,
a vida arde
silenciosamente.




Karla Bardanza



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COM A LÍNGUA NA TUA BOCA

Quadro de Lauri Blank





Meu ato principal
foi te beijar
e te beijar
com a língua 
cheia de esquecimento.

Não me prendi ao amanhã:
se ele tiver que chegar,
que chegue com delicadeza
e sem promessas.

Por enquanto
o gosto na boca,
a tua língua em mim,
o desejo entrando com as mãos,
a vontade-fermento
fazendo o mundo levantar
e crescer.

Por enquanto
você.



Karla Bardanza





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ELA AINDA É UMA PROMESSA

Quadro de David Graeme Baker




Olhou-se no espelho
e com grande espanto, sentiu
que não queria ser responsável por aquelas rugas.

Ela tinha chegado repentinamente,
manchando as mãos,
descolorindo os fios quase longos.
É,
ela estava ali,
olhando de soslaio,
tomando conta das artérias,
e de todo o corpo.

Não estava preparada
para aquele encontro.
Não conseguia lidar 
com aquelas novidades.

Tudo estava em erupção.
Sentia que a sua idade cronológica
era diferente da mental:
lá ela era uma menina
andando de bicicleta apenas para
que o vento lhe despenteasse as memórias
e embaraçasse o tempo.

Era uma menina com um pouquinho
de sabedoria e experiência.
Era uma menina que sabia
ver as pessoas com tanta clareza
e compaixão.
Como a família estava distante,
tinha aprendido a amar com desapego.
Já que ele havia morrido.
tinha aprendido a sobreviver.

Às vezes quando fecha os olhos,
ele esta nu embaixo das cobertas.
(Nunca conseguiu parar de sonhar)
Não importa o quanto ela estivesse envelhecendo,
ela ainda era uma promessa.




Karla Bardanza



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