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ANO NOVO PARA PRINCIPIANTES

 Lukás Kándl






 Não reclamarei das horas esmagadas,
das frutas caídas no chão,
das coisas arranhadas pela escuridão.

Todas as minhas idades giram
ao redor do então momento
que ora escoa, voa manso
e evapora junto com o meu suor.

Não tenho nada para depositar
na conta deste ano, nem
mesmo sabedoria 
porque fui aprendiz apenas.

E enquanto as horas doíam em mim
e o meu corpo desabotoava as cicatrizes
que ainda vestem-me a pele atormentada,
preocupei-me com os olhos tensos,
com as mãos pobres de linhas de vida. 

Trezento e sessenta e cinco dias
não deram conta de mim
e de tudo que ainda espera ser vivido
com mais glória.

Resta-me apenas ultrapassar
o que ficou e fechar a porta em definitivo
enquanto vivo o amanhã
pronto para começar hoje.

Arrumo os cabelos,
perfumo a alma da alma,
estou calma, esperando
que Yemanjá venha buscar as flores
em minhas mãos assustadas.

Há algo neste portal
que ameaça e encanta.
Nada temo.
Ele chega pisando forte,
arrancando espamos.
Fito seus ombros largos
e preparados para todas as culpas que hão
ainda de vir.

Quando ele passa,
aceno e entre os dentes,
falo com reticências:
Ano Novo, estou aqui...



Karla Bardanza

Caras Leitoras e Caros Leitores,

Que as bençãos dos Deuses caiam sobre vocês em 2013.


Amor e Luz!






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CUM LAUDE

 Kim English

  


Arrasto meu chinelinho pela corredor
e mais meia dúzia de certezas que
vão se alargando pela última vez.

Sento com languidez, abro a pasta,
falo pouco, ponho meus óculos e
transformo-me em mim mesma.

Do outro lado, há alguém que já foi
mal, que já foi bem e que por falta
de inspiração, palavras ou rótulos
já não cabe mais dentro de mim.

Nos olhamos antes que tudo desmorone.
Tijolos caem, alicerces desmontam.
Derrida te desconstrói com gratidão.
Já está tarde mas dou uma espiadinha
no meu coração - eita cliché cabra-da-peste!-

Passo no teste e sou aprovada com louvor:
o amor é ex, o ex é apenas um prefixo
que não deu certo e perto do passado,
gosto do futuro ao meu lado cheio de
gentilezas e covardia.

E quando tudo acaba, levanto sem pressa,
deixando tudo que pesava para trás,
especialmente os prefixos e os sufixos
da ingratidão e saio
A-B-S-O-L-U-T-A
do ontem.



Karla Bardanza






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POEMA COM CARA DE FINAL DE ANO

  


 Simon Birch




O infinito recua manso
e deixa o pensamento entrar.
Encontro-me pendurada
na manhã onomatopaica.

Guardo a voz na garganta laica
machucada pelo silêncio.
Minutos e segundos
despedaçam a hora pagã.

E no chão vazio de sentido,
piso o quase amanhã.

O ano estranhamente
se foi
e mesmo agora
já é depois.

 


Karla Bardanza



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UM CORPO QUALQUER

 Joel Rougie




O corpo contém a palavra
e cai dentro de seus próprios intervalos,
cúmplice de seu próprio desentendimento,
desrespeitando o que em si é profundo,
mundo e exaustão.

É descartável, mecânico, plástico. 
Use-o.
Jogue-o fora.
Substitua-o.
Embalagem retornável e retorcida,
exercício de Narciso.
(vida quase?)

O corpo é apenas pele e músculos,
contornos e curvas,
coisas convexas, 
absolutas e perplexas.

O corpo não tem dentro,
não tem eixo,
não tem centro.

O corpo é a vida sem pé
nem cabeça.



Karla Bardanza

 
 




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COISA ZEN, COISA ASSIM


 Harutyun Gulamir Khachatryan






Quando chegar a hora,
tire as roupas na sala com pressa
e corra para tirar as minhas também.

Coisa zen,
coisa assim,
estou sem,
estou fim.

Beije-me já me arranhando,
já arreganhando o dia, a tarde,
a noite e tudo que arde o universo.

Isso sim,
Isso tem,
Isso em mim,
Isso é o bem do bem.

E quando você morrer,
morra olhando nos meus olhos,
sofrendo pela minha pele,
segurando as minhas mãos com coragem
e força delicada.

(Quando chegar a hora, sempre-amado,
que seja antes desse poético agora.
Que seja quase de repente,
que seja antes que possamos descobrir 
o que a gente sente.)



Karla Bardanza





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IANSÃ


 Iansã por Carybé





Senhora dos Ventos, 
sua espada partiu a noite em duas,
alargando as nuvens pagãs
sobre o céu dissoluto.

Rainha da Chuva,
seus raios chicotearam as horas de cristal,
espatifando os minutos e os segundos.
Te admiro espalhando
as estrelas.

Eparrê Iansã!
Odara Iabany!

Vejo tua força alargando o horizonte
enquanto eles viram as cabeças para contemplar
os teus tornados debochando
de seus corações duvidosos.

Rainha de Tudo
Limpe o céu deles com os teus olhos líquidos.
Rainha dos Furacões,
não chore por eles
e nem por mim.

Eparrê Iansã!
Levante as tuas mãos e reescreva o cego destino
porque o caos nunca é o fim.
 E se tempo houver,
ensine-me como andar de joelhos
pelos mundos de espelho.

Senhora dos Ventos,
dance enquanto o teu fogo queima o sol.
A Nigéria te clama, Odoya Matamba 

Deusa das Chuvas,
cavalgue as chamas
e guie-me quando o céu estiver
de cabeça para baixo
e o chão estiver no alto.

Eparrê Iansã,
és o salto entre a vida e a morte,
e a sorte,
és a canção de ninar que a chuva chorando
cantou para os Orixas.


Karla Bardanza 








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ESTOU VIVENDO, VOLTE MAIS TARDE

 John Rush




Estou vivendo.
Volte lá pelas onze,
bem depois que eu tiver novas leis
e melhores desenganos para contar
na ponta da língua do coração.

A minha porta está fechada.
Por enquanto
coisas que mudaram os meus pecados,
pausas que já cansaram de descansar,
o mar, apenas o mar e muita preguiça.

Estou vivendo
e aqui cabe apenas eu e eu.
O tempo é de descobertas
e dissoluções,
perguntas espertas
e minhas canções.

Tateio a porta
e vou em frente
completamente incompleta,
absoluta e inteira,
quase frágil,
quase.

Não se incomode 
se eu não voltar.
Estou do lado de fora de mim
e das coisas que me morrem.


Karla Bardanza



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ANONIMATO EM DÓ(R) MAIOR

 Alberto Martin Giraldo




 Falou pelos pulsos,
deixando a voz que ainda
restava escapar em gotas.

A poesia obscena
da dor vestiu o dia
com forte delicadeza,
com coisas que ainda
não sei dizer.

Ninguém o conhecia.
A única marca que deixou
foi em seus próprios pulsos
e foi por isso
que eu o amei ainda mais.




Karla Bardanza




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