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OUTRAS POESIAS



Depois que o mar, trouxe todas as conchas,

a areia ficou tão cheia de detalhes exaustos

e pequenos. As pegadas sem destino foram

diluídas assim como a vida e as nuvens após

o vento rápido e intenso.



Fiquei sentada, ali, sondando o horizonte,

vendo as ondas irem, observando mistérios

inobserváveis, calada, olhando para dentro

de minhas águas ainda turvas e quase perfeitas

em seus enigmas.



Nada lamento. Não há espaço para estranhos

arrependimentos. Quando olho adiante, sei

da grande diferença que a diplomacia tenta

esconder. Máscaras e acordos de cavalheiros,

tapinhas nas costas, palavras bonitas que não

resistem à primeira exposição ao calor.



Suspiro.



O amor deve ser tão maior do que esse mar que me

afaga e afoga em sabores e saberes existenciais.

Deve engolir todas as dúvidas e colocar-se como

verdade e escudo, deve ser tão maior do que os

medos e as incertezas que abarca. Divago e não

mais penso. Apenas convenço a mim mesma.



Fico um pouco mais, sondando o céu escurecido

pelas nuvens grávidas e quando levanto sei que

faria tudo novamente e dessa vez, não olharei

mais para trás. Mergulho nas ondas frias. Dentro

de mim, borbulham outras poesias.



Karla Bardanza







ACIDENTES DO DESTINO


Abandono o sol e o seu breve calor.

O fogo é apenas brasa sem voz.

A noite arrastou-se por alamedas

Cegas enquanto a auto-ilusão

Despenteava as estrelas.



Deitada perto da janela semiaberta,

Olho sem ver as árvores chorando

Flores. Estupefata, minha alma

Afunda em horas desconfortáveis.



Tenho pouca caridade pelos meus

Defeitos. A vida deve ser um crepúsculo

Solene, um voto de transformação

Eterna e se possível um deleite

Poético.



É com algum medo e estranha

Aceitação que eu devo abraçar

As trevas enquanto a lua minguante

Ainda chora neste momento apenas

Meu com a minha loucura.



Não temo esse estado de parálise

Nem os acidentes do destino.

O que me apavora é a autopiedade,

A mulher chorando no portão.



Ela é a sombra que evito.

A árvore estéril esperando

A chuva, a voz inquestionável

Perdida em minhas profundezas

Quando o passado abre seus

Olhos sem palavras.



Levanto do sofá, sentindo

O meu corpo tremendo: um frio

Nervoso corta e anuncia o sangue

Escorrendo pela poesia. Não há

Lágrimas ou dor. Não há nada onde

Desaguam estes rios sem água.

Apenas a dolorosa hierarquia

Da gentil mágoa.



Karla Bardanza



APROXIMA-TE DE MEUS LÁBIOS


Aproxima-te de meus lábios

Que a noite envolve.

Aproxima-te.

Tantos suspiros estão aqui.

Tantos silêncios.Tantos...



Escuta o lamento do mar

Dentro de minha boca.

Escuta-me.

Há tanta eternidade em

Minha alma. Tanta...



O que me arrasta e me alarga

É o que está a dois passos dos

Fios do infinito, das linhas que

Dobram lentamente e escrevem

O teu nome em meus seios,

Quando sou toda a imensidão

Contida em uma única palavra

Sem definição.



Karla Bardanza

para o Ju




RUDES DELICADEZAS


A trajetória sem ida

Quase foi interrompida

No início do trajeto.



E a fronteira crua

Que separa o sol

Da lua é cega rota.



O itinerário da gaivota

Sem asas permanece

No fios que o infinito

Amor tece nas horas

Vãs dissolvidas entre o

Ontem e o amanhã.



O roteiro desta viagem

Continua a ser escrito

Em tuas profudenzas,

Nas palavras que amo

E me apavoram, nas

Tuas rudes delicadezas

Que tanto me devoram

A alma sem voz.



Karla Bardanza



PERFEIÇÃO


Apenas cinco

triângulos isosceles côngruos

dentro de um círculo infinito.

Perfeição tão maior

onde encontro a grande

totalidade do ser,

e sinto.



Karla Bardanza




QUASE UM SONETO DE AMOR



\”tudo quanto na vida eu tiver,

tudo quanto de bom eu fizer,

será de nós dois,

será de nós dois.”/



letra do poeta vinícius de moraes





quando estendestes tuas mãos caladas

para dar-mer alento e um pouco d’água,

as brumas estavam ainda acorrentadas,

entre os vãos do deserto e da mágoa.



o que era meu cabia numa concha sem voz,

um pouco do nada, um punhado de morte,

e eu contava quieta cada estrela caída e atroz,

enfrentando os ternos ventos do sul e do norte.



tu enfeitastes meus sonhos sem pensamento,

deixando a porta da eternidade entreaberta,

dividindo os luares e todo o teu firmamento.



E eu que era cega, abri os olhos com pavor,

temendo a tua luz leve, a tua palavra tão certa

para finalmente dar-te a minha alma, meu amor.







Karla Bardanza




POEMA SEM DELICADEZA


Para suportar a claridade sem mistério

É preciso apreciar vulcões desnecessários,

Enquanto os oceanos renovam as águas

E as almas caladas bordam os seus sudários.



O olhar penetra e devora a disforme matéria,

Contemplando e abandonando a alteridade.

Tudo que jaz sem delicadeza é para esquecer.

A vida é um lago onde morre até a subjetividade.



É assim andando pelas alamedas sem paz ou cor

Que a apreensão do real é um tiro insano a esmo.

A grande verdade, se há alguma, reside naquele

Que aprendeu a se proteger até de si mesmo.







Karla Bardanza




O PESO DA FLOR



As pálpebras cansadas dissolvem a perenidade,

Descobrindo poucas verdades no grande nada,

O corpo foge no último barco da eternidade,

Abafando a boca muda perdida amedrontada.



A gravidade dissolve o peso da terna ferida

Em delicada flor, quando a cega vai embora,

Trazendo a morte para os braços da vida,

Suavizando a queda mansa da surda hora.



Todo o ruído do coração perde-se no tempo,

Ecos ocos ouvidos por quem mais foi leve,

E o amor fica emaranhado no doce vento,

Esperando que a cura seja perfeita e breve.



Karla Bardanza





MINHAS MÃOS SÃO O AGORA


Nas janelas desertas,

Os gestos mortos,

Cegos para sempre.



Minhas mãos são o agora.



Desdobro o tempo,

Agarrando o vento

Em minha suprema contradição,

Trazendo apenas a lua

Para dentro de mim,

Para as sombras

De meu coração.





Karla Bardanza

LUA CRESCENTE



Quando a lua crescente debruça-se

Para escutar as minhas ressonâncias

No dorso do mar e observar a vida

Misteriosa dos planetas, acalanto o

meu livro: amante amigo de meus segredos

E iniciação. Todo o universo mergulhado

No limite, expande-se na luz que

Ultrapassa a estrela do meu peito

Como lembrança daqueles dias em

Conheci a neve e prometi apenas

Silêncio, confiança e perfeito amor.



Guardo todas as palavras, guardo

O que os olhos não podem nunca

Ver e que abragem os tempos.

Doce vento, doce fogo, doce mar,

Doce terra: o equilíbrio dos mundos

Escrito nos elementos, naquilo que

É a grande mágica da vida e da poesia.



E olhando tão dentro do luar, encontro

A neblina da noite desenhando o teu

Nome em minhas profundezas ainda

Ignoradas. E tão livre das brumas e de

Tudo que a claridade emudece, deixo

Meu coração vazar em seiva sem fim

Trazendo você para dentro de mim.



Karla Bardanza