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HÁ TANTOS RISCOS EM SER FELIZ


Espreito este abismo
atraente entre nós dois.
Espreito
tudo que fica tão depois
deste descompasso,
deste laço apertado
que te leva para outros
textos, contextos,
fotografias.

Busco filosofias
que nos expliquem,
que descompliquem
um pouco esse sono das sombras:
devasso mulidões em mim.

Há tantos riscos
em ser feliz.
Secretamente
namoro o horizonte,
olhando para o fim,
para fora
para as luzes
que se apagam em mim
quando o fundo é tão sedutor.

Espreito esse abismo
entre nós dois e ouso
chamar de amor,
quando sento à beira
do precipício
e caio no início dessa
história in media res*.

Entrei nela sem saber
qual era a próxima linha.
Deve ser por isso
que fiquei sozinha,
inaugurando solilóquios**
e monólogos interiores.

Lamento a platéia que
não bate palma nunca:
somos péssimos atores.
A dor está pelo avesso.
Quem pode enxergar
além?

Olhei teus caminhos
para as tuas novas ilusões
ou eternidades ainda
há pouco.
Por que será
que meu coração está
rouco?


Tudo está no limiar.
Resta apenas um pequeno
momento de devoção
que saltou do sofá,
cruzou a sala muda
e tirou a roupa do ar.




Karla Bardanza



*In media(s) res (latim para "no meio das coisas") é uma técnica literária onde a narrativa começa no meio da história, em vez de no início.

**Solilóquio - discurso de uma pessoa que fala consigo mesma.






Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
 -Karla Bardanza-

PEQUENO TRATADO SOBRE SOLDAS E FUSÕES


Quando posso,
soldo o tempo,
consertando as pequenas
fraturas, juntando os espaços
comidos e desgastados
entre a vida e a utopia.

Coloco o meu capacete
e me protejo das faíscas
que insistem em chamuscar
tudo: a ousadia,
o delírio,
o mundo.

Soldo por fusão:
aqueço os ouvidos,
os egos, os desejos,
as fantasias, a vontade,
elevando a temperatura
com tanta gratidão
e se algo falta neste processo
tão delicado,
sempre estendo a mão.





Karla Bardanza


 Minha homenagem especial as mulheres soldadoras.






Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
 -Karla Bardanza-

DELICADEZA


Cortou os pulsos
com rapidez.
Cortou-os enquanto
via a novela das oito
e o silêncio pensava
mais do que podia.

Cortou os pulsos
sem olhar para trás,
sem nem ver o que fazia.
Cortou os pulsos do sonho,
 e sangrou apenas
poesia.




Karla Bardanza








Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
 -Karla Bardanza-

SEGREDO


Guardo a flor acanhada
entre os vãos escorregadios do prazer:
prendo-a naqueles delírios
que poucos conhecem.

Pétalas desmorrem com
ousadia tão macias engolindo
peles de veludo e tudo
cabe quando cabe tudo.

O mundo estilhaça e todos
os fragmentos são delicadezas
absolutas, são absurdas lutas
entre os espinhos e a rosa.

De olhos fechados,
a flor é apenas amplidão,
é o segredo noturno
e discreto do escorpião.




Karla Bardanza







Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
-Karla Bardanza-

COM A CARA SUJA DE AMOR


Quando ele inaugura a manhã daquela mulher
que nasceu borboleta sem entender
é porque desabotoa a boca e deixa
o amor cair aos pés dela.

Ele chega com as mãos cobertas 
de poemas e
o jornalista que vive de plantão
no peito dele, vai descansar um pouco.
 Ele fica tão louco que dá licença para
o poeta sair de dentro dele.

Toda vez que esse milagre poético acontece,
ela pode ouvir Ryuichi Sakamoto
ao redor e se sente menos só,
menos pedra,
menos.


As palavras ficam livres, a sintaxe
não precisa de sentido e os dois
abraçam as metáforas, beijam
as entrelinhas, fazem do desejo
a tarefa principal.


E muito depois
que tudo desacontece,
os dois ficam com os olhos de flor,
com a pele de pêssego,
com a cara suja de amor.




Karla Bardanza







Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
 -Karla Bardanza-

DA COVARDIA DE VIVER


Ando me procurando em coisas que
não podem ser.
Ando de um lado para o outro,
exausta de ser eu mesma.
Às vezes, me encontro em pétalas mortas
dentro de um livro, em quadros que
crio em minha mente infame,
em todas as adoráveis desonras,
abençoadas pelas aventuras que
já não posso mais.


Queria até fugir.
Queria abrir a porta e deixar de ser
eu mesma. Mas, as contas e as obrigações
engatinham atrás de mim.
Ralho com elas, digo para que elas fiquem
onde estão.
Elas não me ouvem.
Nem eu mesma me ouço.

Então, mesmo sem entender,
vou ao quarto, abro ao armário
e pego uma peça fundamental e moderna
que nunca sai de moda,
nunca mesmo:
um par de algemas
e
me prendo a mim mesma,
tentando garantir que eu não me perca
de mim de novo.





Karla Bardanza






Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor
 -Karla Bardanza-

PARTO


Concebo a noite
olhando as estrelas
pela janela,
disfarçando a dor que
dilata o corpo
e a alma.

Com a boca cheia de luar e
os olhos desencantados,
sinto-a nascer
escura como eu.

E quando tudo está consumado,
tomo-a em meus braços
e cubro-a com a angústia
do meu peito em pedaços.







Karla Bardanza













Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
 -Karla Bardanza-

ELES VIVEM DE SILÊNCIOS


Esses homens secos não conseguem
entender as palavras dos bichos
tampouco o cântico das águas.
Neles habitam o cansaço da terra
árida e a erosão do mistérios.

Esses homens secos vivem de silêncios
e exaustão:
as metáforas morrem aos seus pés
cheirando a enxofre, antecipando
o exorcismo, temendo a crucificação.

Neles vejo a chuva que as árvores
esqueceram de beber.
Neles toda queda é solidária.



Karla Bardanza











Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
-Karla Bardanza-

NESSE ENQUANTO


Quando restar apenas o amor
dessa dor que é te amar,
saberei um pouco mais viver
perto do vento e todas as coisas
adivinhadas serão as esquinas
do céu.

Mas, enquanto a verdade está
cega e o dia duro,
aquieto o escuro com promessas
que não escuto, moro de aluguel
nas encruzilhadas da vida.



Karla Bardanza








Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
-Karla Bardanza-

SOU QUASE POETA - EU ACHO



Há floradas na serra:
coisas raras que toco com a
mente enquanto
o dia boceja levemente
em mim.

Respiro o sol.
Meus pulmões estão cheios
de ocasos e manhãs.
Tudo ferve dentro e fora.
Uma longa ebulição me devora
com mansidão.

Meu calor se levanta.
O dia se espreguiça:
corro, o trabalho me espera
amanhã.

Já cansei só de pensar.
Deito para desobservar
as obrigações.
Fico esperando a lua
fazer uma volta atrás do quarto
e não preciso de palavras
para dizer o silêncio.

Ousadamente
deixo o amanhã para amanhã
e fico ali fazendo amizade
com o sol que entra pela janela
e quer logo me abraçar.

E eu, com a cara mais
deslavada digo pra ele:
sou quase poeta.
E ele todo iluminado,
fica ali comigo sem ter mais
o que fazer além de
poesia.





Karla Bardanza










Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
 -Karla Bardanza-

DA DELÍCIA DE SER O QUE JÁ FUI



O meu desejo extravasa,
rompe as paredes, abocanha
o passado, mastiga todas as
coisas contidas naqueles poemas
que deixavam o mundo
pequeno demais para mim.


Era noite, era noite
e eu não estava sóbria. Tinha
bebido as letras, as pequenas
verdades estavam nos gargalos
das cervejas, nos guardanapos
amassados de solidão.


Eu ajoelhava todas as vezes
que meu nome era maior
que todas as minhas existências,
ardendo nas águas de meu corpo.


E ajoelho novamente,
diminuída pelo desejo
de ser algo que já fui.





Karla Bardanza
















Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
-Karla Bardanza-

CONVIDO-TE A SOFRER JUNTO COM O HORIZONTE



Abra o teu olho,
esse olho que não enxerga as nuvens
e conceba sem pecado
todas as palavras
porque o poema se deslimita,
porque todos os caminhos
são apenas a magia que
ainda não pariu.


Minhas mãos arrancaram as veias
dos medos ontem e depois ergueram-se
para o céu, para o todo infinito
aberto a minha imensidão.
Não quero dizer todas as coisas:
quero sentir apenas.


E sinto teus olhos pousados
no silêncio, errantes,
distantes, escolhendo
o que já foi dito,
sentido.


Convido-te a abraçar as formas,
a sofrer com o horizonte.
Convido-te a sangrar junto
comigo neste agora,
neste já
porque aqui a hora está aberta
para receber o teu desvario,
o teu assombro, o teu cio.

Porque aqui não há muros
no céu e nem mortes absolutas.




Karla Bardanza



















Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
-Karla Bardanza-

ENQUANTO OFEREÇO A MINHA SUBMISSÃO AO VENTO



O vento desenha invisíveis padrões enquanto esfaqueia as costas da noite

com a sua respiração amarga.

As flores tremem: pétalas de gelo se afastam de minhas mãos.

As estrelas escurecem os meus olhos.

Meu coração tirano se agacha para esperar pelo futuro.

Tão distante, um rosto contempla a minha alma chicoteada.

A tranquilidade do momento irrompe em uma tempestade de neve:

flocos de desepero caem de minha mente, cobrindo o caminho.


Vagas tragédias coroam-me com espinhos.

Estou imobilizada.

Meu sangue mancha as minhas palavras, deixando ver o cume

da minha dor.

A noite não pode conter a minha mágoa.

Quem lembrará do meu nome?

Fui a musa, fui a palhaça.

Alguém podia ler enigmas nos meus olhos.

Agora olhe para mim enquanto ofereço a minha submissão ao vento.

Não tenho forças.

Estou fora da vida.



Karla Bardanza







Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
 -Karla Bardanza-

SE TE FALO DE AMOR




Se falo de amor,

falo bem baixinho,

falo assim com a boca

na tua boca, com os

dentes na tua língua,

com as mãos te arracando

um pouco de sal e sangue.



Se te falo de amor,

falo te comendo com as mãos,

alisando o teu ego ridículo

e imperfeito que não cabe

nem no teu peito.

Falo assim te puxando

pra dentro de mim sem maestria.

Isso já caiu no esquecimento.



Se te falo de amor,

falo com os olhos de água,

o desejo de mar, guardo-te

no fundo de mim e lá

achas todas as minhas pérolas

e um pouco mais.




Karla Bardanza









Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
-Karla Bardanza-

MORRO-ME



Não quero o tempo,

nem o grito do tempo.



Queimo as mãos das horas,

cego-me nos minutos vãos,

apago-me, mato-me,

recrio-me:

sou um bom escorpião.



Sou coisa, sou isso,

sou a cabeça que muda.



Morro-me,

e existo para além,

e também e também.



E quando crescem as penas

velhas no corpo gasto,

arranco o passado

e o tempo com as unhas,

sobrevivendo a insanidade

nossa de cada dia.





Karla Bardanza












Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
-Karla Bardanza-






































O BENEFÍCIO DA DÚVIDA


Sou todas e algumas,

sou eu e nenhuma,

sou.

Descartes me faz mal:

penso nas horas vagas,

nas vagas entre a cama

e o travesseiro,

quando fumo o cinzeiro

e me contamino com

a minha ira e mal.

Enfio o dedo na ferida

até não sentir mais nada,

olho a fotografia cheia

do teu passado e alegria.

Olho até os olhos doerem,

arderem, sangrarem.

Estou vacinada contra

essas pequenas felicidades.

Faço de conta que acredito.

Que fique o dito pelo não dito:

o benefício da dúvida é uma delícia.

Karla Bardanza








Observe-me com a leveza de uma bolha de sabão... e ache minha beleza... Ela está ao meu redor...no meu calor...no meu estado permanente de flor.
 -Karla Bardanza-